Um estudo publicado no mês passado na revista JAMA Internal Medicine sugere que a indústria do açúcar pagou o equivalente a US$ 48 mil para uma pesquisa relacionar doença do coração à gordura saturada e tirar o foco do risco causado pelo açúcar.
Também vem sendo questionado o Estudo dos Sete Países, publicado pelo médico americano Ancel Keys em 1970, uma das pedras fundamentais para se afirmar que as doenças cardíacas são causadas pela gordura. Neste, o autor ignorou países que consomem muita gordura, mas pouco açúcar, como a França, e tem taxas baixas de doenças coronárias. Além disso, o artigo diz que “a taxa de doenças coronárias é correlata à média de calorias derivadas da sacarose (o açúcar comum) na dieta explicada pela interrelação da sacarose com a gordura saturada”. Ou seja, Keys não fez um teste controle para separar o resultado da gordura e do açúcar, apenas considerou os dois juntos.
Um dos maiores acusadores do açúcar, o endocrinopedriatra e pesquisador Robert Lustig, da Universidade da Califórnia, defende que ele causa diretamente doenças cardiovasculares, gordura no fígado, diabetes tipo 2 e cárie.
Neste ano, ele publicou na revista Obesity, da Sociedade Americana de Obesidade, o resultado da troca do açúcar por carboidratos na dieta de crianças obesas nos Estados Unidos por nove dias, sem alterar a quantidade ingerida. Observou uma redução de 10 pontos do colesterol LDL, implicado em doenças do coração, além de reduzir os triglicérides (gordura armazenada no corpo) em 33 pontos e a pressão arterial em 5 pontos. Mesmo sem alteração significativa do peso, o metabolismo melhorou consideravelmente. Para Lustig, a obesidade não é a causa, mas um dos sintomas dos problemas causados no corpo pelo açúcar.
O cientista argumenta que as orientações para redução do consumo de gordura saturada que vigoraram por 50 anos provocaram um aumento no açúcar adicionado em pães, ketchup, e principalmente refrigerantes e sucos. As orientações também levaram médicos a recomendarem a troca de manteiga por margarina e banha por óleos vegetais, entre outros. E o colesterol ruim não diminuiu.
Neste ano, um grupo multidisciplinar nos EUA avaliou dados que haviam sido deixados de fora de um dos estudos mais completos e que dava suporte à hipótese de que a dieta rica em gorduras saturadas aumenta o risco de doenças coronárias, chamado Experimento Coronário de Minnesota (1968-73). “Quando você analisa a sequência histórica da hipótese da dieta-coração dos anos 1950 até agora, parece claro que a publicação incompleta de estudos importantes gerou um viés na pesquisa e na política de nutrição”, diz Daisy Zamora, pesquisadora da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte que participou da pesquisa.
Lustig descreve o açúcar como “veneno” por ser metabolizado da mesma forma que o álcool e produzir colesterol nesse processo. A digestão do açúcar leva à formação da acetilcoenzima A, que forma o triglicérides e acaba se transformando em uma lipoproteína chamada VLDL, que, quando quebrada no fígado, produz colesterol LDL pequeno e denso. Há consenso de que este LDL alto está associado a doenças do coração, já que ele forma placas nas artérias.
Já quando a gente come gordura, eleva o nível de colesterol LDL grande e leve, que é mais inofensivo. “Na corrente sanguínea, você mede os dois juntos, pois é muito difícil distinguir um LDL do outro”, diz Lustig. “O que você faz é olhar o nível de triglicérides em associação ao LDL, pois os triglicérides dizem de qual deles se trata”. Os triglicérides estão associados ao colesterol baixo e denso alto, que significa risco ao coração.
O médico cita uma pesquisa que mostrou que o mesmo número de calorias de glicose e frutose (as duas juntas formam a sacarose) se transformam em coisas diferentes. No caso da glicose, quase nada virou gordura. Mas, das calorias de frutose, 30% se transformam em gordura. Parte dessa gordura não consegue sair do fígado e causa esteatose hepática não alcoólica, ou gordura no fígado.
Essas reações ocorrem independentemente de o açúcar ter passado por menos processos químicos, ou seja, aumenta com ingestão de açúcar refinado, cristal, demerara, mascavo e até mel. A diferença entre os açúcares é que, por quanto mais processos de refinamento ele passar, menos minerais ele vai conter, explica a nutricionista Gabriela Rebello, pesquisadora da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (ES). A única fonte de frutose recomendada por Lustig é a das frutas, pois elas vêm com fibras e em quantidade que somos capazes de metabolizar.
Porém, há os que defendem a hipótese de que é a gordura saturada, presente em laticínios e carne vermelha, que aumenta o LDL. Marcelo Bertolami, diretor da divisão científica do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia cita estudos como o de Ancel Keys, alvo da controvérsia atual, outro da década de 1970 chamado Nihonsan, que estudou homens japoneses no Japão, Havaí e na Califórnia, e concluiu que o ambiente e os níveis de colesterol prevalecem sobre a genética como fator de risco para doenças cardíacas.
Ele concorda que o consumo de açúcar está relacionado ao colesterol pequeno e denso. Porém, discorda que haja uma relação causal direta por ser difícil mensurar e separar os dois tipos de LDL. “Quanto mais triglicérides você têm, você tem uma tendência a ter mais LDL pequeno e denso, mas não concordo que o açúcar causa diretamente doença cardíaca”, afirma.
Todos os entrevistados concordam que a gordura trans é péssima para o organismo, pois não é metabolizada. “A gordura trans é pior do que o açúcar. O açúcar pode pelo menos ser oxidado e usado para energia. Nós não temos enzima para metabolizar a gordura trans, o corpo não tem outra escolha senão armazenar no fígado, o que causa doença hepática”, diz Lustig. No Brasil, a gordura trans é permitida em porções muito pequenas, como em bolachas industrializadas.
Até hoje, o alerta sobre o risco de consumir gordura saturada existe na orientação do governo americano apesar de a Associação Americana do Coração, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e outras autoridades também terem começado a alertar sobre a adição de açúcar ser uma das possíveis causas de risco de doença cardiovascular. O Ministério da Saúde do Brasil recomenda uma dieta mais próxima do natural possível, ou seja, evitar o consumo de alimentos industrializados.
A OMS recomenda que o consumo de açúcar não ultrapasse 10% das calorias consumidas por dia, o que equivale a, aproximadamente, 50 gramas/dia. O brasileiro consome em média 16,3% de açúcar do total de calorias. A nutricionista lembra que um pão francês já tem 25g de açúcar. (Com informações do UOL Ciências e Saúde – 28.10.16)