1. Dados indicam que mais da metade dos indivíduos com diabetes tipo 2 não estão cientes de sua condição. Por que, em sua opinião, as pessoas demoram ou não suspeitam que possam ter essa doença? Existem fatores específicos que podem justificar essa falta de consciência ou suspeita em relação ao diabetes?
Na verdade, o diabetes tipo 2 é uma condição hereditária que se desenvolve gradualmente ao longo de aproximadamente 7 anos, desde o início até a detecção da glicemia em jejum. O que marca essa fase é o chamado pré-diabetes, um termo comum, mas inadequado. Isso se deve ao fato de que uma pessoa comumente rotulada como pré-diabética, ou seja, sem um diagnóstico formal, depois de 5 a 7 anos de evolução, pode apresentar complicações mais sérias.
Estudos indicam que cerca de 50% das pessoas já enfrentam complicações significativas no momento em que o diabetes é oficialmente diagnosticado. Sem um diagnóstico formal, níveis ligeiramente elevados de glicemia em jejum, como 109, 105, 108, muitas vezes não recebem a devida atenção por parte dos médicos em geral ou daqueles que não são especialistas, pois não aprofundam nos exames necessários para diagnosticar o diabetes.
Com um diagnóstico precoce, é possível iniciar o tratamento, o que, infelizmente, não ocorre com frequência nesse grupo de pessoas.
2. E uma vez desenvolvida a doença, teria como reverter ou curar?
Na fase inicial, há estudos que indicam a possibilidade de reversão. Não significa que a doença desaparecerá por completo. Posso fazer uma comparação para facilitar o entendimento. Imagine uma pedra no mar que aparece e desaparece conforme a altura da maré. Da mesma forma, uma pessoa tratada com dieta, exercícios e outros cuidados pode fazer com que o diabetes se estabilize e pareça normal.
Ou seja, a reversão é possível no início, desde que o tratamento seja realizado adequadamente, incluindo medicamentos, perda de peso, atividade física, entre outros.
Entretanto, após 4, 5 ou 6 anos numa situação de descuidado, há um ponto em que a condição se torna irreversível, transformando-se em um problema crônico.
Vale lembrar que o diabetes é uma doença de evolução silenciosa; embora não haja uma cura definitiva, existe o controle clínico e laboratorial que, se seguido, ajuda a evitar complicações mesmo para aqueles que vivem com a doença.
3. Com os avanços recentes na ciência relacionados ao diabetes, podemos destacar alguns dos principais tratamentos, mais inovadores ou as descobertas mais promissoras que têm o potencial de impactar positivamente a forma como gerenciamos o diabetes?
No caso do diabetes tipo 1, temos observado avanços notáveis nas insulinas desenvolvidas nos últimos anos, em especial as denominadas insulinas basais análogas, que representam modificações analógicas da insulina basal convencional.
Apesar do desafio persistente relacionado à administração por meio de injeções, há progressos envolvendo sistemas computadorizados, como as bombas de infusão contínua.
Adicionalmente, têm sido desenvolvidos dispositivos para minimizar a necessidade de injeções, proporcionando uma abordagem mais conveniente para os pacientes, incluindo insulinas de ação prolongada.
Sensores subcutâneos e exames intersticiais eliminam a necessidade de picar o dedo, permitindo um controle mais eficaz, frequentemente integrados a dispositivos móveis para maior praticidade.
Novos medicamentos também surgiram, como hormônios intestinais que não apenas controlam eficazmente a glicemia, mas também promovem a perda de peso. Isso é particularmente relevante considerando que 80% dos diabéticos tipo 2 são obesos.
Embora essas tecnologias ainda incorram em custos elevados, o investimento se mostra altamente compensador quando o diabetes é tratado de maneira adequada, prevenindo descompensações e melhorando significativamente a qualidade de vida.
4. O que poderia tornar o tratamento médico preventivo do diabetes mais atraente e acessível para uma maior adesão da população?
O tratamento, embora desafiador, pode se tornar mais atrativo com a integração de facilidades. A tecnologia atua através de aplicações de insulina, dispositivos de controle e aplicativos que possibilitam o monitoramento da glicemia e medicamentos. O acesso a médicos especializados e a orientação proporcionada por associações de diabetes durante suas atividades também é essencial.
Além da dimensão tecnológica, o tratamento envolve orientação, informação e esclarecimento sobre a doença, respondendo às dúvidas dos pacientes e destacando a importância de check-ups regulares, tanto médicos quanto laboratoriais.
Soma-se a esse processo a alimentação. Reconhecemos que a dieta não apenas tem o poder de reverter estados como o pré-diabetes para a normalidade, mas também de melhorar a condição daqueles que já têm a doença.
Com isso, a abordagem alimentar vai além da orientação sobre escolhas saudáveis, incluindo produtos que facilitam o processo, tornando-o mais suave, não apenas para adultos, mas também para crianças.
Hoje, temos à disposição alimentos dietéticos, opções sem açúcar, adoçantes, refrigerantes diet, geleias e uma variedade de produtos que oferecem suporte às pessoas com diabetes. Ao contrário do passado, quando opções como chocolate diet eram escassas, a diversidade atual de alimentos minimiza o esforço necessário para um controle adequado da glicemia.
Inclusive, a ANAD, em colaboração com a ABIAD, promoveu uma resolução junto à Anvisa sobre alimentos que são adicionados de adoçantes. Conseguimos eliminar a obrigatoriedade de incluir a informação “alto teor em açúcar” nas embalagens desses produtos, porque não reflete a realidade.
Essa alteração terá repercussões positivas, uma vez que impede que o paciente erroneamente pense que pode voltar a ingerir mel e o próprio açúcar. Esse equívoco poderia levar à conclusão incorreta de que o diabetes não está controlado devido à presença de açúcar no adoçante, quando, na verdade, as substâncias presentes no adoçante, como lactoses e outros, não impactam nos níveis de glicose nas doses ingeridas.
5. Considerando a educação dos pacientes, como a nutrição e os hábitos de vida (sono, prática de exercícios físicos etc) podem desempenhar um papel eficaz na gestão da prevenção do diabetes?
No tratamento do diabetes tipo 2, um dos maiores desafios é justamente o convencimento e a conscientização dos pacientes, sendo que esse é um passo essencial para o sucesso do tratamento. Se alcançado, observa-se uma maior adesão às práticas necessárias para o controle da condição do diabetes.
Por outro lado, a falta desse entendimento pode levar o indivíduo a subestimar a importância de cuidar de si mesmo.
Esta lacuna de compreensão é frequentemente exacerbada pelo fato de o diabetes, em muitas situações, não apresentar sintomas evidentes; o paciente não percebe ou visualiza as manifestações da doença.
Ao contrário de outras condições, o diabetes é uma doença bioquímica caracterizada pelo aumento da glicose no sangue, e a maioria dos pacientes só percebe quando a condição atinge níveis descompensados. Na média, os sinais passam despercebidos, enquanto as lesões decorrentes da doença continuam a se manifestar silenciosamente.
A obtenção do sucesso no tratamento, portanto, está intrinsecamente ligado à educação. Somente quando conseguimos educar de forma efetiva e persuadir as pessoas a cuidarem de si mesmas, tanto no diabetes tipo 1 quanto no diabetes tipo 2, podemos esperar alcançar resultados positivos.
6. Pensando em manter a população mais informada sobre a diabetes, quais as principais informações a serem desmistificadas para auxiliar na rotina e cuidados das pessoas que possuem essa doença?
Considero essencial desmistificar as informações relacionadas à própria doença, proporcionando à pessoa uma compreensão completa do que está enfrentando. Quanto mais informações ela possuir, maior será sua capacidade de gerenciar a condição.
Expor as realidades é eficaz, mas deve ser feito de maneira não chocante, focando em mostrar os perigos de não tratar o diabetes. A ideia é conscientizar o paciente que não adere ao tratamento, que não está convencido da gravidade da doença, sobre os riscos associados.
Meu ponto de vista enfatiza o ensino ao paciente sobre como controlar a doença. Não é suficiente apenas alertar; precisamos fornecer orientações práticas sobre o tratamento. Nesse caso, a abordagem vai além de mostrar os perigos, visando capacitar a pessoa a enfrentar a condição da melhor maneira possível, fazendo escolhas informadas sobre medicamentos, aplicações, dieta, entre outros aspectos. Explicar esse processo educacional exige tempo, mas é uma ação necessária.
7. Por fim, por que o cuidado eficaz ao portador de diabetes demanda a colaboração multidisciplinar de diversos profissionais de saúde trabalhando juntos?
Este ponto é muito relevante. Lançamos essa ideia há 28 anos, quando poucos falavam em equipe multiprofissional e multidisciplinar. Realizamos anualmente o Congresso Multidisciplinar pela ANAD, destacando a importância do tratamento e do processo que vai além do médico.
Por exemplo, reconhecemos a relevância da nutrição, sabendo que a alimentação pode tanto compensar quanto descompensar a doença. Portanto, uma alimentação adequada com o apoio do nutricionista não pode ser descartada.
Compreendemos a importância do profissional ligado à atividade física. O educador físico colabora nas orientações, indo além do simples comando “você precisa fazer exercício”. Existem profissionais preparados para adequar a quantidade de exercício de acordo com a idade, sexo, estilo de vida e tipo de diabetes, proporcionando uma personalização da atividade física.
Outro exemplo é o farmacêutico, que atua na orientação, especialmente agora, diante das diversas canetas e sensores disponíveis. Eles oferecem suporte, corrigindo até mesmo erros de pacientes que tentam se automedicar.
O envolvimento de outros médicos e especialidades também é bem-vindo, incluindo cardiologistas, nefrologistas, ortopedistas, oftalmologistas, entre outros. Trata-se de um engajamento multidisciplinar e multiprofissional necessário para um enfoque adequado no tratamento do diabetes.