A má ideia de criar um novo imposto sobre sucos, refrescos e refrigerantes - Abiad

A má ideia de criar um novo imposto sobre sucos, refrescos e refrigerantes

05 de dezembro de 2017

Uma proposta em discussão no Governo Federal e no Congresso Nacional tenta resolver um problema extremamente complexo por meio de uma medida simplista. Trata-se da ideia de combater a obesidade com a criação de um novo imposto sobre bebidas não alcoólicas que levam açúcar em sua composição, como refrigerantes, sucos e refrescos.

Os defensores da proposta acreditam que ela forçaria a queda do consumo e ajudaria a conter o ganho de peso da população. Mas não há no mundo estudos que confirmem essa teoria e ela encontra resistências até mesmo entre médicos e nutricionistas. E conta também com a oposição de entidades empresariais que enxergam nela mais uma tentativa de aumentar a carga tributária sobre o setor produtivo. O ETCO faz parte desse grupo por uma razão adicional: o risco de que a medida beneficie empresas desonestas que fazem da sonegação fiscal a base do seu negócio. “Em setores já altamente tributados, como o de bebidas, quanto maior o imposto, maior o risco de atrair ilegalidade”, afirma o presidente executivo do Instituto, Edson Vismona. “O resultado é a deterioração do ambiente concorrencial.”

A preocupação tem precedente. Até o início dos anos 2000, o mercado de bebidas era um dos mais atingidos pela ação de sonegadores. Fábricas que escondiam suas vendas do fisco usavam essa vantagem ilícita para praticar preços artificialmente baixos e ganhar mercado às custas das empresas sérias. “Na época, a sonegação no segmento de refrigerantes chegava a 30%”, lembra Vismona.

Nos anos seguintes, uma fiscalização mais rigorosa do setor, que incluiu a instalação de equipamentos de contagem das embalagens envasadas nas linhas de produção de bebidas, conseguiu reduzir o problema. Mas a Receita Federal abandonou esse sistema no fim de 2016 para reduzir despesas e o risco de sonegação voltou. “Hoje, os impostos equivalem a 40% do preço que o consumidor paga em bebidas não alcoólicas. Elevar ainda mais a tributação, mantendo a fiscalização frouxa como está, é uma insensatez”, adverte Vismona.

O avanço da obesidade é um mal gravíssimo que afeta o mundo todo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 1975 para cá, o índice de obesos no planeta triplicou. No Brasil, ele subiu de 11,8% para 18,9% apenas nos últimos dez anos. Isso sem contar os brasileiros com sobrepeso, que representam outros 35% da população. Essa epidemia causa prejuízos enormes à saúde das pessoas e aos cofres públicos. Diabetes, hipertensão, acidente vascular cerebral, doenças degenerativas e câncer são algumas das moléstias relacionadas com o excesso de peso. Estima-se que, a cada ano, o SUS (Sistema Único de Saúde) gaste R$ 488 milhões com o tratamento de patologias relacionadas com a obesidade.

Mas o problema é extremamente complexo. Segundo a OMS, suas raízes estão relacionadas com transformações profundas ocorridas nas últimas décadas. A população trocou o campo pelas cidades; passou a usar meios de transporte e máquinas que reduziram o esforço físico; muitos empregos hoje exigem passar o dia sentado na frente do computador; o sedentarismo cresceu; o ritmo de vida acelerou; o estresse e a ansiedade aumentaram; mais mulheres foram trabalhar fora; ficou mais difícil preparar comida em casa; o padrão de alimentação mudou; e cada vez mais gente vem engordando por consumir mais calorias do que gasta.

Para enfrentar as múltiplas causas da obesidade, há anos a OMS vem fazendo uma série de recomendações aos governos. São dezenas de ações que incluem programas para estimular a prática esportiva (60 minutos por dia para as crianças e 150 minutos por semana aos adultos); incentivo ao consumo de frutas, verduras, legumes e grãos integrais; campanhas educativas em escolas; tratamento preventivo em instituições de saúde; redução do consumo de gordura e açúcar; mudanças nos rótulos dos alimentos, para deixar mais claras suas propriedades nutricionais; e outras iniciativas que exigem esforço por parte dos órgãos públicos.

No ano passado, a entidade acrescentou a essa longa lista a sugestão de sobretaxar as bebidas açucaradas, uma ideia polêmica que divide opiniões no mundo todo. Por aqui, virou prioridade. Em junho, o Conselho Nacional de Saúde, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, recomendou a criação desse novo imposto no Brasil. E um projeto na mesma linha, de autoria do deputado federal Sérgio Vidigal, chegou ao Congresso Nacional, que realizou audiência pública sobre o tema no dia 31 de outubro.

Lideranças que representam a indústria de bebidas reconhecem a importância de participar do movimento de combate à obesidade e lembram que isso já vem sendo feito no País. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcóolicas (ABIR), Alexandre Jobim, falou sobre isso na audiência pública. Ele contou que nos últimos seis anos os fabricantes diminuíram em 11% a quantidade de açúcar em seus produtos e que essa redução deve chegar a 21% nos próximos quatro anos. Ressaltou também que a indústria vem ampliando seu leque de produtos, com o lançamento de bebidas com diferentes padrões nutricionais, incluindo sucos de frutas sem adição de açúcar. E recordou o fato de que o setor como um todo decidiu em 2016 parar de fazer propaganda para menores de 12 anos e que grandes marcas, como Coca-Cola, Ambev e Pepsico, assumiram o compromisso adicional de parar de vender refrigerantes em escolas com crianças dessa idade – tudo por meio de iniciativas voluntárias.

O presidente da ABIR afirmou, no entanto, que a indústria não aceita ser tratada como “a principal vilã da obesidade”, recebendo um tratamento tributário discriminatório. “Um estudo da companhia de pesquisas Nielsen mostra que, em média, as bebidas açucaradas representam apenas 4% do consumo diário de calorias dos brasileiros”, afirmou Jobim. “O açúcar de mesa, aquele que as pessoas adicionam ao cafezinho e aos demais alimentos, responde por 72% da ingestão de açúcar no País – e o Brasil vai sobretaxar os refrigerantes?”, ele questionou.
Dados do próprio Governo Federal põem em dúvida a relação entre o consumo de bebidas açucaradas e o aumento da obesidade. Segundo o Vigitel, um serviço de pesquisa do Ministério da Saúde que monitora hábitos de vida relacionados com doenças crônicas, na mesma década em que o índice de obesos subiu de 11,8% para 18,9% o consumo regular de refrigerantes caiu de 30,9% para 16,5% da população.

A ideia de que aumentar o imposto sobre alimentos calóricos pode ter algum impacto na redução da obesidade carece também de evidências científicas. Existem poucas experiências internacionais nesse sentido – e os resultados são controversos. Os defensores do tributo citam o caso do México, que introduziu a sobretaxa em 2013 e registrou redução de 6% no consumo de refrigerantes no ano seguinte.

Mas a realidade entre os dois países em relação a esse segmento de mercado é bastante distinta. O México é o maior consumidor per capita de refrigerantes do mundo. De acordo com estudo da consultoria PwC, cada mexicano bebe, em média, 163 litros por ano – mais que o dobro do que os 70 litros per capita registrados no Brasil. E lá, após a criação do tributo sobre bebidas açucaradas, o total de impostos sobre o produto chegou a 28% – contra os 40% que já são praticados por aqui. Além disso, a redução no consumo não veio acompanhada de nenhuma evidência de melhoria nos níveis de obesidade, o que levanta a hipótese de que as pessoas possam ter trocado a bebida por outros alimentos igualmente calóricos. A nutricionista Márcia Terra, diretora da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN), afirma que essa possibilidade não pode ser descartada. Ela cita um estudo conduzido pelo professor Brian Wansink, diretor do Laboratório de Alimentos e Marcas da Universidade de Cornell (EUA), que comparou o comportamento de dois grupos de famílias americanas durante vários meses: um deles sujeito a uma taxa adicional de 10% sobre bebidas açucaradas e o outro não. “Nesse estudo, houve migração do consumo de refrigerantes para o de cerveja”, afirma a nutricionista. Na opinião dela, é preciso estudar melhor o comportamento do consumidor para saber se um imposto assim tem efeito positivo, neutro ou até mesmo negativo sobre a saúde das pessoas.

CAMINHOS MAIS EFICAZES

O cardiologista e nutrólogo Carlos Daniel Magnoni, do Instituto Dante Pazzanese, de São Paulo, concorda. Estudioso do assunto e atuante em campanhas de combate à obesidade, ele menciona as conclusões da pesquisa Superando a Obesidade: Uma Análise Econômica, realizada pela consultoria McKinsey. O trabalho comparou diversas experiências de enfrentamento ao problema e concluiu que não há evidências científicas de que sobretaxar bebidas açucaradas reduz o peso das pessoas.

Na opinião de Magnoni, existem caminhos muito mais eficazes que são pouco explorados no Brasil. Um exemplo, segundo ele, é um projeto que o Dante Pazzanese aplica em São Paulo e pretende espalhar pelo País chamado Obesidade Zero. O objetivo é direcionar mais pessoas ao serviço de orientação nutricional e parte de uma ação simples: medir peso e altura de todos os pacientes que chegam ao hospital, independentemente da razão. “Hoje, 60% dos pacientes do SUS não são pesados”, ele lamenta. “Se fossem, talvez pudessem ser mais bem avaliados e orientados do ponto de vista de nutrição.”

Outro médico que não acredita na eficácia da sobretaxa é o professor de pediatria Hugo da Costa Ribeiro Júnior, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em obesidade infantil. Segundo ele, estudos científicos confirmam que o excesso de peso está relacionado a múltiplos fatores, incluindo o tipo de parto, o aleitamento materno, a alimentação nos primeiros mil dias, o hábito de tomar café- da-manhã. “Todas as medidas que desconsideram essa complexidade e buscam as soluções mais simples não funcionam e não se sustentam a médio e longo prazo”, ele afirma. “É um equívoco focar no manejo de alimentos específicos: isso não educa e não traz benefício do ponto de vista de montar uma dieta adequada.”

Se não existem evidências de que sobretaxar bebidas açucaradas reduz a obesidade, não se pode dizer o mesmo sobre os seus efeitos no ambiente concorrencial. O exemplo vem da Dinamarca, uma das nações mais desenvolvidas do mundo que foi também uma das primeiras a instituir um imposto específico sobre bebidas açucaradas, em 1930. O tributo vigorou por 83 anos. Nesse período, os dinamarqueses pagaram o equivalente a R$ 0,85 de imposto adicional por litro de refrigerante. Em 2013, a sobretaxa foi abolida – entre outros motivos, por estimular o comércio ilegal de bebidas vindas das vizinhas Suécia e Alemanha, isentas do tributo. Por lá, as pesquisas mostram que mais de oito décadas de imposto para desestimular o consumo de refrigerantes só favoreceu o contrabando.

Fonte: ETCO

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