1. Para começar, vocês poderiam descrever, de forma geral, como está o cenário de alimentação no Brasil após 1 ano do novo governo?
O atual governo demonstra interesse pelas questões sociais, com destaque para a segurança alimentar. Existe, nesse sentido, um compromisso em promover tais questões, como evidenciado pela integração do auxílio emergencial de R$600 durante a pandemia ao Bolsa Família. Trata-se de um aumento de renda que está ligado à preocupação em garantir nutrição e alimentação adequadas para as camadas mais vulneráveis da população.
Além do fornecimento de alimentos por meio de políticas públicas, busca-se também engajar pequenos produtores, assentados do MST, e pequenas cooperativas, entre outros. Um exemplo disso é o estímulo às políticas públicas direcionadas ao programa de alimentação escolar, beneficiando produtores locais.
Outro aspecto que vale ser mencionado é a atenção do governo aos alimentos ultraprocessados. Para lidar com essa questão, o Conselho de Segurança Alimentar foi reativado, após ter sido desativado durante o governo Bolsonaro e retomou suas discussões durante o governo Lula.
Portanto, essas são as considerações que considero relevantes no escopo macro das políticas alimentares: segurança alimentar e o combate aos alimentos ultraprocessados.
2. Há possibilidade de o setor de alimentos para fins especiais também ser incluído nas preocupações do governo em relação à alimentação, considerando sua natureza como uma indústria tecnológica que necessita de maior desenvolvimento nacional?
A categoria de alimentos para fins especiais não foi incluída no NIB (Nova Indústria Brasil) – conjunto de propostas voltadas para o setor industrial, como linhas de crédito e recursos não reembolsáveis. Sendo assim, entendemos que não há um direcionamento do governo para incentivar a indústria de alimentos para fins especiais especificamente.
Pode ser que, em algum momento no futuro, essa categoria seja contemplada, mas talvez não necessariamente via NIB. Poderia ser por meio de outra política pública relacionada ao Ministério da Saúde, com uma atenção mais direcionada à função importante desses alimentos na prevenção de doenças, entre outros aspectos.
Em paralelo, podemos citar a Anvisa, como uma autoridade que compreende a importância desse alimento na saúde da população, especialmente daqueles que dependem deles para sobreviver. No entanto, quando se trata de questões mais amplas de processamento e industrialização, os alimentos industrializados, por exemplo, acabam sendo colocados no mesmo grupo.
Entendemos que o que falta, nesse contexto, é que se faça uma diferenciação, de fato, entre alimentos indulgentes e alimentos para fins especiais, que possuem outras finalidades. Talvez seja por isso que acabamos ficando um pouco negligenciados quando essas discussões envolvendo alimentos em geral são trazidas à tona pelo governo.
3. E por que vocês acham que não há a contemplação dessa categoria?
A questão da alimentação no Brasil é um problema iminente. Por isso, em primeiro lugar, é importante ressaltar que, ao falar dos alimentos para fins especiais, estamos lidando com um setor específico e ainda oneroso.
Na prática, o governo visa alcançar o máximo de pessoas possível e, ao direcionar seus esforços para a nutrição de maneira geral, tende a adotar políticas públicas mais abrangentes e gerenciáveis, em contraste com políticas voltadas especificamente para alimentos enterais, destinados a idosos, crianças e outros grupos específicos.
Afinal, há uma parcela grande de brasileiros que ainda escolhe, entre café da manhã, almoço e jantar, qual refeição vai fazer, pois não tem acesso ao básico. Isso faz com que o escopo das políticas públicas se concentre mais no aspecto nutricional em um sentido amplo, em vez de uma abordagem mais “médica”, por assim dizer.
Hoje, o alto custo de alimentos para fins especiais representa um obstáculo, inclusive para o SUS, que enfrenta dificuldades em aprovar sua distribuição em certos contextos. Isso resulta em famílias que lutam para ter acesso a esses produtos, uma vez que não são fornecidos gratuitamente.
Acreditamos que a falta de atenção e compreensão em relação a um setor tão especializado demanda políticas regulatórias altamente específicas e amplamente debatidas, com o objetivo de garantir não apenas a viabilidade econômica das empresas, mas também a subsistência das famílias que dependem desses alimentos.
Infelizmente, o Ministério da Saúde ainda não dedica esforços suficientes a essa questão, apesar de ser um ator fundamental para o seu enfrentamento. Seria benéfico estabelecer um diálogo mais estreito entre esse órgão e o setor produtivo. Por esse motivo, essa situação não precisa ser encarada de maneira negativa. Podemos identificar oportunidades a partir da perspectiva da ABIAD para ampliar o envolvimento e promover discussões mais frequentes sobre o tema.
4. Apesar disso, do ponto de vista regulatório, quais aspectos positivos podemos destacar nas discussões sobre alimentos para fins especiais?
A Anvisa tem feito um esforço regulatório muito interessante para a atualização e consolidação de suas normas regulatórias, com o objetivo simplificar os processos para as empresas.
Atualmente, enfrentamos no Brasil uma espécie de “Frankenstein regulatório”, com diversas normas sobre um mesmo tema, algumas contraditórias entre si. A Agência está empenhada em resolver essa questão de harmonização, aproveitando esse processo para revisar aspectos de baixo impacto ou que favoreçam a convergência regulatória internacional.
Também, consideramos válido observar que a alimentação para fins especiais está cada vez mais presente nas discussões do parlamento, especialmente entre os parlamentares ligados à pauta da saúde. Muitos deles acompanham de perto debates sobre essa categoria de alimentos.
Já vimos ser levantada, por exemplo, a questão da tributação dos alimentos, argumentando que os suplementos alimentares não deveriam ser excessivamente tributados, defendendo um tratamento tributário especial. Alguns deputados são defensores ativos da redução de preços desses alimentos e da inclusão deles na alimentação de pessoas vulneráveis, algo que é muito positivo para o setor.
5. As diferenças entre as regulamentações brasileiras e as de outros países impactam de alguma forma o crescimento do setor no cenário doméstico e no acesso/ disponibilidade desses produtos para a população?
Em termos de acesso, devemos considerar que o custo da inovação torna os alimentos para fins especiais caros tanto para o consumidor final quanto para o produtor. Isso ocorre devido aos investimentos necessários em pesquisa, desenvolvimento e tecnologia, bem como à dependência de insumos importados, muitos dos quais são protegidos por patentes.
Adicionalmente, existe uma questão fiscal de produção, uma vez que o Brasil ainda não possui um volume de produção suficiente para viabilizar a fabricação desses alimentos em território nacional. Os custos burocráticos, por sua vez, também representam um desafio, dificultando a distribuição desses alimentos no mercado doméstico. A Anvisa, por exemplo, impõe requisitos regulatórios diferenciados em relação a países como os Estados Unidos.
Por outro lado, sabemos que faz parte dos planos do poder executivo fortalecer o complexo econômico-industrial da saúde, promovendo a inovação no Brasil e permitindo a fabricação de produtos com alto custo de produção no exterior em parceria com ministérios e outras entidades.
No entanto, há o desafio de efetivamente colocar esses planos em prática e de como as indústrias podem se beneficiar desse movimento. São questões que ainda carecem de respostas claras, o que torna esse processo incipiente até o momento.
6. Com base na experiência da BMJ, é viável avaliar o papel das associações setoriais, como a ABIAD, no apoio à Anvisa para a formulação de políticas e regulamentações governamentais?
A Anvisa é atualmente reconhecida como o órgão técnico mais qualificado no Brasil. Sendo uma agência pública vinculada ao poder executivo, ela é obrigada a considerar todas as perspectivas envolvidas, incluindo sociedade civil, empresas e outros interessados, formulando regulamentações que buscam atender a todos por meio do diálogo e do estabelecimento de consensos.
Hoje, podemos afirmar que a Agência se beneficia dos insumos produzidos pela ABIAD, estabelecendo uma relação técnica de grande importância, especialmente considerando a natureza altamente regulada do setor de alimentos para fins especiais.
Nesse ponto, gostaríamos de ressaltar que a ABIAD conduz seus processos de produção e revisão de forma criteriosa. Os procedimentos seguidos pela associação geralmente envolvem um alinhamento entre seus membros, promovendo a geração de conhecimento técnico e uma comunicação eficaz com as autoridades governamentais.
Esse aspecto de governança é valorizado pela Anvisa, que reconhece a ABIAD como facilitadora de discussões e temas que muitas vezes seu próprio corpo técnico, devido ao seu número reduzido, não teria capacidade de abordar sem a colaboração da associação.