Os principais desafios nutricionais na infância e na adolescência estão relacionados, atualmente, à compreensão de como fatores presentes no período perinatal influenciam a saúde ao longo da vida. Sabemos que determinadas doenças são influenciadas por características genéticas hereditárias e outras pelo ambiente, como infecções ou diferentes formas de agressão externa. Hoje, porém, discutimos com maior intensidade os fatores epigenéticos.
A epigenética envolve elementos capazes de modificar o comportamento dos genes sem alterar a estrutura genética em si. Trata-se de uma atuação periférica sobre o DNA, decorrente de diversos fatores presentes no período perinatal. Esses fatores podem ser nutricionais, relacionados ao estresse, a condições infecciosas ou até a características próprias da mãe e da criança.
Essas influências epigenéticas aumentam o risco futuro de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, hipertensão, alterações do metabolismo da glicose e distúrbios do crescimento, todas profundamente relacionadas às condições presentes no início da vida.
Nesse contexto, aspectos nutricionais têm grande relevância. A nutrição da gestante, o aleitamento materno, a introdução da alimentação complementar e os padrões alimentares estabelecidos no período pré-escolar compõem a base da saúde nutricional que acompanha o indivíduo ao longo da vida.
Diversos fatores influenciam a saúde ao longo do tempo. Padrões alimentares inadequados podem estar associados ao desenvolvimento de alergias, intolerâncias, seletividade alimentar ou restrições que acompanham a pessoa até a idade adulta.
Uma criança com dificuldades alimentares tende, se não orientada e tratada, a tornar-se um adolescente com questões semelhantes e, posteriormente, um adulto com os mesmos comportamentos, perpetuando um ciclo difícil de interromper.
Doenças na infância também podem comprometer crescimento, desenvolvimento e imunidade, com impacto significativo na saúde adulta. Além disso, tanto o excesso de peso quanto a desnutrição podem gerar consequências relevantes no longo prazo.
Mesmo quando tratada, a desnutrição pode deixar déficits nutricionais, carências de vitaminas e minerais e repercussões cognitivas, emocionais e comportamentais. Da mesma forma, a criança com excesso de peso tende a permanecer assim durante toda a vida, especialmente se não houver orientação adequada, tornando-se um adolescente e, posteriormente, um adulto obeso ou com sobrepeso.
Esse quadro está associado a problemas emocionais, autoestima reduzida, ansiedade, depressão, alterações dermatológicas e posturais, além de complicações metabólicas e cardiovasculares.
Por isso, é fundamental atuar desde a infância na prevenção desses agravos. Praticamente todas as doenças crônicas da vida adulta têm origem nesse período inicial, e sua prevenção depende de intervenções precoces e adequadas.
Se consideramos que o início da vida, desde o período pré-natal, é determinante para a saúde futura, precisamos atuar intensamente na prevenção. Tradicionalmente, trabalhamos com o conceito dos mil dias, que vai do pré-natal ao segundo ano de vida e envolve aleitamento materno, introdução alimentar e prevenção das principais carências de vitaminas e minerais.
Hoje ampliamos esse conceito para 2.200 dias, abarcando o período até os cinco anos de idade, quando ocorre a formação dos hábitos alimentares. Ainda assim, isso não é suficiente, pois o desenvolvimento nutricional e neurológico se estende até o final da adolescência. Por isso falamos também em mil semanas, que vão do pré-natal até aproximadamente os 19 anos, compreendendo todo o período de maturação física, cognitiva e emocional.
Em todas essas fases, a alimentação exerce papel fundamental no desenvolvimento do sistema nervoso central, da memória, da capacidade cognitiva e da resolução de problemas. Tanto a deficiência nutricional quanto o excesso têm impacto direto nesse processo.
Entre as ações preventivas mais importantes, destacam-se:
Quando não há exposições adversas significativas durante esse período, a criança cria uma reserva adequada para enfrentar desafios nutricionais e de saúde ao longo da vida.
A formação de uma base nutricional sólida é essencial. Quanto melhor essa base, menor a chance de desvios graves mais tarde. No entanto, é comum que adolescentes passem por fases de oposição aos hábitos alimentares familiares. Se cresceram sob muitas restrições, podem buscar justamente o que lhes foi proibido; se sempre tiveram permissividade exagerada, podem manter esse padrão e consumir alimentos voltados ao prazer imediato, favorecendo o ganho de peso.
Hoje observamos também o movimento oposto: adolescentes que reagem aos hábitos da família adotando comportamentos extremos, como vigorexia (obsessão por exercício físico) ou ortorexia (preocupação patológica com alimentação considerada saudável). Esses comportamentos podem vir acompanhados de uso excessivo de suplementos, práticas inadequadas de exercício e consumo de substâncias legais ou ilegais.
A adolescência é marcada pelas primeiras experiências: primeiro amor, primeiro contato com álcool, cigarro e drogas ilícitas. Até práticas consideradas simples, como colocar um piercing, apresentam riscos, incluindo infecções graves e complicações sistêmicas. Tatuagens também exigem atenção por riscos como hepatite, reações alérgicas e permanência definitiva.
Além disso, o uso do narguilé tem se tornado comum e muitas vezes subestimado. Dependendo da substância utilizada, pode representar risco ainda maior do que o cigarro devido à inalação contínua.
Por isso, é essencial orientar, oferecer informação clara e criar um ambiente de diálogo, para que o adolescente faça escolhas mais conscientes e seguras.
O principal ponto é manter os bons hábitos alimentares e de estilo de vida estabelecidos na infância. Preservar práticas adequadas é sempre mais fácil do que modificá-las posteriormente. Estruturar hábitos saudáveis desde cedo envolve alimentação equilibrada, prática regular de atividade física, momentos de recreação e limitação do tempo de tela.
Quando esses comportamentos já estão consolidados, a continuidade até a vida adulta ocorre de forma mais natural. Em contrapartida, promover mudanças em indivíduos que já apresentam um estilo de vida inadequado é muito mais complexo e exige esforços maiores.
Por isso, estruturar hábitos saudáveis desde a infância é uma estratégia mais simples, menos custosa e com maior chance de sucesso do que tentar corrigir comportamentos já instalados na adolescência ou no início da vida adulta.