Entrevista com Márcia Terra, nutricionista, consultora e membro da diretoria da SBAN e do Conselho Consultivo da ANAD - Abiad

Entrevista com Márcia Terra, nutricionista, consultora e membro da diretoria da SBAN e do Conselho Consultivo da ANAD

29 de outubro de 2025

1. Quais são os principais desafios nutricionais enfrentados por crianças e adolescentes diagnosticados com diabetes? Como os profissionais podem conciliar a necessidade de controle nutricional com a manutenção de experiências prazerosas e positivas à mesa?

Os principais desafios nutricionais em crianças e adolescentes com diabetes envolvem equilibrar o controle glicêmico rigoroso com o crescimento saudável e o prazer de comer. É preciso ajustar a quantidade e o tipo de carboidrato sem comprometer a energia necessária para o desenvolvimento.

Além dos aspectos fisiológicos, há desafios emocionais e sociais: o medo de comer, a sensação de privação, a exclusão em eventos e a falta de orientação adequada aos cuidadores.

Os profissionais de saúde devem substituir a ideia de restrição por educação alimentar, ensinando que todos os alimentos podem fazer parte da dieta, com planejamento e moderação.

O uso de adoçantes é seguro a partir dos 2 anos e ajuda a manter o gosto doce sem elevar a glicemia, promovendo inclusão social e adesão ao tratamento. A comunicação deve ser positiva e acolhedora, evitando termos como “pode” e “não pode” e incentivando autonomia e equilíbrio.

Assim, é possível unir ciência, prazer e afeto, garantindo uma alimentação segura, prazerosa e socialmente inclusiva.

2. O que precisa estar no centro do planejamento alimentar para garantir energia, saciedade e desenvolvimento saudável ao longo da infância e adolescência?

O centro do planejamento alimentar na infância e adolescência deve ser o equilíbrio entre qualidade nutricional, prazer e adequação energética às fases de crescimento, garantindo também controle glicêmico e estabilidade metabólica nas crianças com diabetes.

A base deve incluir carboidratos complexos, proteínas de alto valor biológico, gorduras boas, frutas e vegetais, com destaque para as fibras, que prolongam a saciedade e estabilizam a glicemia.

O plano alimentar precisa ser individualizado conforme idade, estágio puberal e nível de atividade física, mantendo uma distribuição equilibrada das refeições ao longo do dia.

O prazer de comer deve ser preservado: permitir que a criança participe das escolhas e compreenda o papel dos alimentos fortalece a adesão.

Adoçantes são seguros e podem auxiliar na manutenção do sabor doce sem alterar a glicemia, promovendo inclusão social e liberdade alimentar.

A alimentação infantil deve ser vista como uma experiência física e emocional, sustentada por um ambiente familiar acolhedor e educativo. O foco deve estar na criança como um todo — corpo, mente e contexto social — unindo ciência e sensibilidade para garantir energia, saúde e prazer à mesa.

3. Apesar das evidências que comprovam a segurança dos edulcorantes a partir dos dois anos de idade, a desinformação ainda gera receio entre os pais. Que bases científicas e estratégias de comunicação podem apoiar os profissionais na orientação responsável das famílias?

A segurança dos edulcorantes é amplamente comprovada por avaliações rigorosas de órgãos como JECFA, EFSA, FDA e ANVISA, que autorizam seu uso a partir dos 2 anos de idade.

Nenhum deles apresenta risco carcinogênico ou metabólico nas doses usuais, e há consenso de que são seguros, não afetam o apetite nem o crescimento infantil, e ajudam no controle da glicemia e na redução do consumo de açúcar.

O desafio, porém, está na comunicação com as famílias, já que o medo dos pais é mais emocional do que racional.

Os profissionais devem adotar uma abordagem empática, educativa e baseada em evidências acessíveis, mostrando que os edulcorantes são ingredientes seguros, usados globalmente e que promovem inclusão alimentar.

Estratégias eficazes incluem usar exemplos concretos e mostrar que todos os edulcorantes são consumidos em doses seguras — sendo muito difícil ultrapassar o nível de segurança conhecido como IDA (Ingestão Diária Aceitável).

Também é importante evitar linguagem técnica ou alarmista e reforçar que os adoçantes não substituem a educação alimentar, mas são ferramentas para equilíbrio e qualidade de vida.

A mensagem central é clara: “O foco não é trocar o açúcar por adoçante, mas ensinar que o gosto doce pode existir de forma equilibrada e segura.”

4. A ausência de opções adequadas em espaços sociais evidencia desafios de inclusão para crianças com diabetes. A ampliação de produtos seguros pode promover maior integração e reduzir o estigma alimentar?

A ampliação de produtos seguros e acessíveis para crianças e adolescentes com diabetes é essencial para promover inclusão social e reduzir o estigma alimentar.

A falta de opções adequadas em festas e escolas reforça o sentimento de exclusão e prejudica a autoestima e a adesão ao tratamento.

O desenvolvimento de alimentos sem adição de açúcares e com edulcorantes, aprovados por autoridades regulatórias, permite que crianças com diabetes participem de eventos e façam escolhas livres e seguras.

Isso fortalece o vínculo positivo entre prazer e autocuidado.

A inclusão alimentar exige colaboração entre ciência, indústria e regulação, com rótulos claros, comunicação responsável e incentivo à inovação.

Também requer educação alimentar para famílias, escolas e profissionais, a fim de normalizar o uso de adoçantes e evitar constrangimentos.

Garantir acesso a produtos gostosos, seguros e socialmente aceitáveis é parte do próprio tratamento — um ato de equidade e dignidade, que assegura às crianças o direito de viver a infância com leveza, segurança e prazer.

5. Quais são as novidades e tendências em produtos ou tecnologias nesse segmento no Brasil e no exterior?

As principais tendências em produtos e tecnologias para crianças e adolescentes com diabetes envolvem edulcorantes de nova geração, fortificação nutricional e uso de tecnologia digital para personalizar o cuidado alimentar.

Entre os edulcorantes emergentes, destacam-se allulose, tagatose, monk fruit e stevia de alta pureza (Reb M, Reb D), com sabor mais próximo ao açúcar e excelente aceitação em bebidas, laticínios e sobremesas.

Há também combinações inteligentes de adoçantes, como sucralose + acessulfame-K + stevia, que melhoram o sabor e reduzem o amargor.

As novas formulações infantis priorizam produtos com baixo teor de açúcar e gorduras, ricos em fibras, proteínas e micronutrientes, incluindo snacks com proteínas vegetais, iogurtes com probióticos e barras com prebióticos.

Internacionalmente, avança o uso da impressão 3D de alimentos personalizados, permitindo criar refeições com porções e texturas adaptadas ao perfil glicêmico infantil. No Brasil, startups e universidades já testam essas soluções.

A integração entre nutrição e tecnologia digital também cresce: aplicativos de contagem de carboidratos, sensores contínuos de glicose (CGM) e plataformas com inteligência artificial permitem ajustar dietas em tempo real e tornam o aprendizado mais interativo, por meio de jogos educativos.

Outra tendência é a fortificação de alimentos com cálcio, ferro e vitaminas do complexo B, além do desenvolvimento de linhas inclusivas, sem rótulos como “diet” ou “zero”, para reduzir o estigma alimentar.

O futuro da nutrição infantil para o diabetes une ciência, tecnologia e inclusão social, promovendo alimentos e bebidas apetitosos, garantindo segurança e liberdade alimentar.

Os adoçantes e produtos que utilizam edulcorantes muitas vezes são injustamente classificados como “ultraprocessados” pela classificação NOVA, simplesmente por conterem aditivos alimentares. Essa categorização, no entanto, é confusa e reducionista, pois coloca no mesmo grupo alimentos nutritivos e produtos destinados ao prazer, como se fossem equivalentes.

Na realidade, não existem alimentos bons ou ruins; ruim é apenas o alimento estragado. Todo alimento pode fazer parte de uma dieta equilibrada, inclusive para quem tem diabetes. O que realmente importa é o planejamento alimentar e o contexto em que o alimento é consumido.

Excluir ou desvalorizar adoçantes e produtos com edulcorantes é um equívoco que distorce a percepção sobre eles. Esses produtos são seguros, aprovados por órgãos regulatórios e podem contribuir de forma positiva para a alimentação de crianças, adolescentes e adultos com diabetes.

Mais do que substituir o açúcar, os adoçantes ajudam a normalizar e ressignificar o prazer de comer, permitindo que pessoas, principalmente crianças com restrições alimentares, participem de momentos sociais sem culpa ou medo.

É essencial que os profissionais de saúde compreendam que esses produtos não são vilões, mas ferramentas valiosas na promoção de uma alimentação inclusiva, equilibrada e, acima de tudo, prazerosa.

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