Entrevista sobre alimentos especiais para pacientes com Erros Inatos do Metabolismo - Abiad

Entrevista sobre alimentos especiais para pacientes com Erros Inatos do Metabolismo

09 de março de 2021

O Panorama ABIAD traz para você informações sobre Erros Inatos do Metabolismo (EIM) e a importância dos alimentos especiais para esses pacientes. Para isso, conversou com Carlos Eduardo P. L. Gouvêa, advogado e administrador público, membro da diretoria da ABIAD e diretor da CMW Saúde & Tecnologia, e Fernanda Kanno, nutricionista, mestre em pediatria e responsável pela linha de erros inatos do metabolismo no departamento de medical affairs da Danone.

Panorama – Antes de mais nada, como podemos explicar a definição de “Erros Inatos do Metabolismo”?

Fernanda – São distúrbios de natureza genética que, geralmente, correspondem a um defeito enzimático capaz de acarretar a interrupção de uma via metabólica. Ou seja, é quando o indivíduo não produz determinada enzima ou a produz em quantidade insuficiente para o devido metabolismo.

Sendo bem didática, a enzima é como uma ponte – permite que os veículos passem de um lado a outro do rio. Quando a ponte está parcialmente bloqueada, causa congestionamento de um lado e falta parcial de abastecimento (pelos veículos) do outro. Se a ponte quebra, de um lado há o acúmulo de veículos e, do outro, total desabastecimento.

Carlos Eduardo – Essas doenças impedem o normal funcionamento das vias metabólicas, por deixarem de metabolizar (“processar”) diversos aminoácidos ou ácidos graxos. Ao se acumularem no organismo, exatamente por não terem sido processados no momento certo, muitos destes aminoácidos (que são as menores partículas que formam as proteínas) acabam se acumulando, passando a exercer um efeito neurotóxico e que pode levar a criança a ter convulsões, retardo mental e até mesmo levar a óbito, nos casos mais severos.

Panorama – Como detectar precocemente esses problemas?

Carlos Eduardo – Parte essencial do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), o Teste do Pezinho é um dos primeiros exames a que um bebê é exposto e tem uma finalidade muito nobre: de detectar um possível Erro Inato do Metabolismo (EIM), ou melhor, uma enfermidade – muitas vezes fatal – de origem genética. Se realizado nas primeiras 48 horas do nascimento, a título de triagem em todos os bebês nascidos vivos, ele permite detectar muitos EIMs.

Atualmente, o Teste do Pezinho oferecido pelo SUS abrange seis enfermidades diferentes, podendo ser também na versão Expandida ou Ampliada, que chega a mais de 50 doenças, já disponível em algumas regiões (como pelo Governo do Distrito Federal, por exemplo) e na rede de Saúde Suplementar. O fato é que o teste precoce e preciso pode, de fato, mudar uma vida, ao proporcionar a chance de ter a informação que permitirá o acesso à terapia medicamentosa ou mesmo apenas nutricional.

Atualmente, praticamente todas as aminoacidopatias podem ser detectadas precocemente por estes testes. No caso do SUS, a única que consta do PNTN é a fenilcetonúria, por ser mais prevalente em nosso País (na ordem de 1:15.000, aproximadamente), e refere-se a uma incapacidade de metabolizar a fenilalanina.

Panorama – Qual o papel da alimentação especial no controle de EIMs e promoção da saúde dessas pessoas?

Fernanda – Para esses pacientes, a alimentação especial é a base do tratamento, pois não sobreviveriam sem ela. Normalmente, essas pessoas têm uma alimentação muito restritiva, limitando o consumo de alimentos proteicos, como um bife, por exemplo, comum na nossa alimentação. Estes pacientes não têm a capacidade de metabolizar determinado aminoácido devido a um EIM e, ao ingerir esse bife, estarão sobrecarregando seu organismo desencadeando reações tóxicas, potencialmente graves. Neste momento, entra o alimento especial para aquele distúrbio específico, pois traz os aminoácidos necessários e na quantidade certa para a pessoa. Citando a doença mais comum, para quem tem fenilcetanúria, o alimento traz todos os aminoácidos, menos a fenilalanina.

Carlos Eduardo – O mesmo princípio vale para as dietas voltadas para os casos de homocistinúria, acidemias glutáricas, doença do xarope de bordo, tirosinemia, por exemplo. Em todos estes casos, aquele aminoácido que não seria processado pela criança será excluído (ou estará em quantidade mínima) da dieta.

A tecnologia aplicada a esta área evoluiu tanto que atualmente há diversos tipos de apresentações para tais alimentos para situações metabólicas especiais: além da apresentação em pó (mais comum), já há também em líquido (pronta para beber), comprimidos e até mesmo em gel.

Panorama – Significa que essas pessoas têm acesso somente a alimentos com sabor e textura não tão agradáveis?

Carlos Eduardo – Embora o sabor metálico em função da mistura de aminoácidos isolados não seja um problema para as crianças que têm o diagnóstico precoce, ele sempre foi uma barreira para a adesão das crianças com diagnóstico tardio (pois têm acesso aos sabores dos alimentos normais). Para este caso, houve também, mais recentemente, uma inovação disruptiva através de inúmeros produtos usando o GMP – Glicomacropeptídeo. Com sabor bem mais agradável, já que o GMP é oriundo do processo de produção de queijo e é a única proteína natural que não contém a fenilalanina em sua forma pura, este tipo de produto inovador deve permitir uma maior taxa de sucesso na adesão e manutenção do tratamento das crianças com EIM ao longo da vida.

Fernanda – Infelizmente, no Brasil ainda não está liberada a comercialização de alimentos industrializados prontos para o consumo e similares aos “não especiais”, como shakes e biscoitos, existentes em outros países. Além de melhorar o sabor, eles são muito práticos, pois podem ser consumidos fora de casa, já que é uma dificuldade recorrer aos restaurantes padrões onde encontrar opções seguras para estes pacientes é uma realidade.

Panorama – Existe algo, em termos de ambiente regulatório, que pode ser feito mais ou menos rapidamente para trazer mais opções a esses pacientes e ao mercado?

Fernanda – Sim. Hoje as fórmulas são isentas de registro na Anvisa e defendemos que devam ter um maior controle para garantir ao consumidor que ele está se alimentando com algo real e seguro. A NRC 460/2020, que está em discussão, traz requerimentos para se fazer essas fórmulas, o que é ótimo, mas não exige que sejam registradas.

Carlos Eduardo P. L. Gouvêa, advogado e administrador público, membro da diretoria da ABIAD e diretor da CMW Saúde & Tecnologia.

 

 

 

 

 

Fernanda Kanno, nutricionista, mestre em pediatria e responsável pela linha de erros inatos do metabolismo no departamento de medical affairs da Danone.

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