Diversidade, inclusão e equidade de gênero nas corporações: uma responsabilidade compartilhada das lideranças - Abiad

Diversidade, inclusão e equidade de gênero nas corporações: uma responsabilidade compartilhada das lideranças

22 de março de 2023

1. Primeiramente, você poderia se apresentar as leitoras e comentar um pouco sobre o seu engajamento com a pauta de gênero?

Eu sou Neivia Justa, tenho 53 anos. Sou cearense e jornalista de formação. Moro em São Paulo há 30 anos, cidade em que iniciei minha carreira corporativa. Ao longo da minha vida, aqui tive duas filhas e trabalhei em projetos de marketing, publicidade e comunicação corporativa. Há 12 anos, quando comecei a ser incluída em grupos de diversidade e em um projeto de rede de mulheres, a pauta de gênero era ainda muito recente no Brasil.

Na época, eu tinha um estranhamento com relação a essas conversas e não me sentia convencida no sentido de que elas renderiam alguma transformação efetiva. Quando assumi um cargo de diretora regional (Latam) em 2014, descobri que eu era a primeira mulher na diretoria em 99 anos daquela empresa. E lembro de viver um sentimento ambíguo, pois ao mesmo tempo em que me orgulhava, não tinha ninguém para me orientar no que dizia respeito a viver uma posição de alta liderança sozinha, cercada exclusivamente por homens.

Mas foi durante a preparação para uma palestra em Goiânia, cujo tema era justamente liderança feminina, que comecei a estudar e me engajar nas questões de gênero. Percebi que não tínhamos mulheres em posições de liderança no Brasil e, a partir daquele momento, me comprometi com o projeto de transformar o mundo em um lugar melhor para as próximas gerações, inclusive para as minhas filhas.

Em 2016, criei o movimento “Onde estão as mulheres”, onde eu divulgava imagens e registros de eventos que não tinham inclusão. Nessa época, sofri com comunicações violentas e agressões verbais. Após me fortalecer e aprender a lidar com isso, criei um contraponto, chamado “Aqui estão as mulheres”. Em 2020, durante a pandemia, desenvolvi o projeto “Líder com Neivia”, em que entrevisto líderes c-level, membros de conselhos e empreendedores, representantes de todas as diversidades humanas, em total igualdade de gênero, toda semana.

2. Historicamente, como esse cenário de desigualdade de gênero se estabeleceu no Brasil?

Desde sempre. Quando pensamos que há 61 anos, as mulheres só podiam viajar, trabalhar ou ter conta em banco mediante autorização de seus pais ou maridos, e que somente na década de 70 é que houve uma aderência maior de mulheres ingressando no mercado de trabalho, percebemos que esse é um passado muito recente. Essa é uma das razões porque esses estereótipos seguem sendo reproduzidos. Até hoje, a imensa maioria das mulheres entram em uma empresa ocupando posições menores, porque se tem uma crença de que nada deveria competir com a principal função: ser dona de casa e mãe.

Evidentemente, essa situação tem mudado. Há iniciativas afirmativas, mas ainda assim é preciso que o esforço seja o mesmo para engajar homens. As empresas podem contribuir para descontinuar essas desigualdades.

3. Neivia, nós temos pesquisas recentes que mostram que as mulheres são responsáveis pela renda familiar em mais da metade dos lares no Brasil. Ainda assim, o rendimento salarial é 21% inferior ao dos homens.  Como as empresas podem estimular o crescimento profissional delas e mudar essa estatística?

Eu sempre digo que o momento de corrigir as distorções que começam com o salário e é na entrada. Se você entra com um salário defasado, dificilmente alguma política de correção vai resolver isso a longo prazo, e assim a desigualdade se perpetua. Nesse caso, não é recomendado iniciar uma entrevista ou negociação de cargo perguntando qual foi o valor do último salário da mulher. Ao invés de perguntar quanto ela ganha, diga quanto você tem para oferecer. Assim, ela vai responder se interessa ou não para ela.

Outro problema que temos no país são os 50% de mulheres que são demitidas em até 2 anos após voltarem da licença maternidade. Esse dado é da FGV. Isso pode explicar, por exemplo, porque a carreira dos homens decola aos 30 anos e da mulher decai.

Acredito muito nas políticas afirmativas, que inclusive gosto de chamar de “correção de distorções históricas por período determinado”, porque quanto mais rápido acelerarmos isso, menor será a necessidade delas. Meritocracia só funciona se as pessoas partirem de posições iguais. Por isso, sou muito a favor das cotas e ações afirmativas. Mas, chamo atenção também para o fato de que, recorrentemente, se coloca todo o peso das mudanças nos ombros das mulheres. Boa parte dos programas de mentoria para mulheres fica fechado em mulheres e não inclui quem também precisa se engajar nisso, que são os homens.

Outro ponto é que empresas precisam ter políticas afirmativas voltadas às famílias, qualquer que seja a formação familiar. Uma boa forma de resolver isso é transformando a licença maternidade em licença parental. Afinal, criar vínculo com os filhos é um direito de todos os responsáveis por essas crianças. Para além disso, e falando a partir dos casos que mediei, a mentoria reversa, de homens para mulheres e vice-versa, também funciona muito bem, já que as pessoas se sensibilizam a partir do conhecimento do outro. Empatia só é desenvolvida quando se tem acesso e compreensão dos desafios que a mulher enfrenta. Isso acelera processos. E para que seja efetivo, é preciso que as empresas incluam e engajem homens, os fazendo entender que essa é uma responsabilidade deles também.

4. A carreira de uma mulher não é convencional e é marcada por uma série de questões. Mas isso, apesar de não ser romantizável, molda determinadas habilidades e visões. Que habilidades são essas e o que podemos destacar?

Com base no livro Liderança Shakti, entendo que as lideranças do futuro serão aquelas que sabem conciliar as características maduras do masculino com as características maduras do feminino. Todos nós temos essas características, independente do gênero. A diferença é que antes, as habilidades priorizadas no ambiente corporativo eram somente aquelas do estereótipo masculino: arrojo, coragem, força. Agora, cada vez estão sendo requeridas as soft-skills, habilidades que naturalmente somos estimuladas a desenvolver: o cuidar, o escutar, a mediação de conflitos, a gestão objetiva do tempo etc. Aliás, mães fazem isso o tempo todo, e essas habilidades são absolutamente necessárias ao ambiente corporativo. O feminino é cada vez mais necessário para o ambiente de trabalho.

5. Por fim, que mensagem você deixa para toda essa diversidade de mulheres que se inspira e que, assim como você, está envolvida em carreiras tão desafiadoras?

Eu diria para elas que a mudança começa de dentro pra fora. Nós, mulheres, precisamos nos fortalecer, desenvolver nosso autoconhecimento. E há vários caminhos que levam a isso. Independente de qual deles elas optem, o essencial é saber reconhecer o que é inegociável, quais valores elas não abrem mão. Outro ponto que eu considero importante é aprender a se promover. Quando uma mulher sabe quem ela é, quais são os seus potenciais, em que ela agrega, é legítimo contar isso ao mundo. Nesse caso, meu conselho é: busquem estar junto de pessoas que inspiram, que ouvem e que coloquem vocês para cima. #AquiEstãoAsMulheres!

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