Inovação na indústria de alimentos enterais é tema da entrevista com Adriana Alvarenga - Abiad

Inovação na indústria de alimentos enterais é tema da entrevista com Adriana Alvarenga

26 de junho de 2023

1. Há algum produto ou tecnologia inovadora que a indústria esteja desenvolvendo atualmente para melhorar a administração e a absorção de alimentos enterais? Como isso pode beneficiar os pacientes?

A inclusão de nutrientes imunomoduladores e/ou o uso de nutrientes de melhor absorção já são bem estabelecidos nas fórmulas enterais há algumas décadas. Logicamente, o segmento sempre busca inovações e o uso de novos ingredientes que possam auxiliar o melhor aproveitamento das fórmulas, bem como o melhor desfecho aos pacientes são uma busca constante no segmento de fórmulas enterais. Todavia, não podemos esquecer que a terapia Nutricional Enteral (TNE) é considerada um procedimento de alta complexidade, já que atende às necessidades de um paciente desnutrido ou em risco nutricional.

Dessa forma, embora seja considerado um alimento, as formulações enterais, diferentemente dos alimentos convencionais, fazem parte de uma categoria de produtos cuja composição deve ser especialmente baseada nas diretrizes nacionais ou internacionais das grandes sociedades relacionadas à nutrição clínica, como a Braspen no Brasil, ASPEN e ESPEN (sociedades americana e europeia, respectivamente). Nesse sentido, as recomendações devem fazer parte de uma abordagem baseada em evidências, não havendo espaço para indicações empíricas. Portanto, as inovações, quando presentes, devem ter uma validação científica, o que às vezes limita e não abre espaço para ingredientes ou composições sem respaldo científico.

No entanto, houve um grande avanço no desenvolvimento das fórmulas enterais desde o seu lançamento inicial algumas décadas atrás, passando de produtos em pó para diluição até as atuais fórmulas líquidas em embalagens inovadoras com sistema fechado. Essas embalagens possuem conexão direta ao equipo e à sonda do paciente, reduzindo os riscos de contaminação da fórmula. Ainda sobre a administração das dietas enterais, há alguns anos, a partir da iniciativa internacional de um grupo de médicos, fabricantes e regulamentadoras mundiais foi desenvolvido um novo conceito em conexão segura na nutrição enteral chamado de ENFit, fazendo parte dos novos padrões internacionais da ISO 80369-3. No Brasil esse conceito tomou mais forças a partir de julho de 2021, com a entrada das primeiras sondas enterais com conexão ENFit, reduzindo os riscos de conexão errônea de fórmulas enterais no acesso venoso do paciente, aumentando a sua segurança.

No que diz respeito às formulações, além de alinhar-se com as diretrizes, o setor busca o desenvolvimento de fórmulas inovadoras que atendam à demanda dos profissionais de saúde e dos pacientes. Por exemplo, atualmente há uma tendência nas fórmulas para uso oral, na busca da maior concentração de nutrientes (calorias e proteínas), visando uma melhor adesão do paciente à Terapia Nutricional Oral.

Assim como na TNE, também podemos ver fórmulas mais concentradas com excelente osmolaridade e viscosidade, pontos fundamentais para a melhor tolerância do paciente e correta adequação nutricional da dieta enteral. Em ambas as situações (TNO e TNE), o menor volume administrado e alcance mais rápido das metas nutricionais, favorecem a recuperação mais rápida dos pacientes. Alguns anos atrás, com a tecnologia, disponibilidade de insumos e conhecimentos vigentes na época isso era algo difícil de se imaginar.

Há ainda pesquisas na área de desenvolvimento de produtos com probióticos entre outros ingredientes com propriedades funcionais, assim como uma busca em atender o consumidor e seus anseios por produtos com apelo orgânico, naturais ou vegano. A sustentabilidade também tem pautado as ações no segmento, onde a escolha de embalagens que agridam menos o meio ambiente, por exemplo com menos plástico ou eliminação de componentes nocivos façam parte das estratégias de desenvolvimento. Assim como processos produtivos mais sustentáveis e a escolha de seus ingredientes.

Portanto, todos os anos há espaço para avanços na nutrição enteral, mas sempre atrelado às recomendações nutricionais validadas cientificamente pelas grandes sociedades da área de nutrição clínica. Essas inovações e tecnologias têm o potencial de melhorar a qualidade e eficácia dos alimentos enterais, oferecendo opções mais adequadas às necessidades individuais dos pacientes. Elas podem facilitar a administração, melhorar tolerância gastrintestinal e otimizar a absorção de nutrientes, e contribuir para melhores resultados clínicos para os pacientes.

2. Com os avanços científicos e tecnológicos constantes, quais são as perspectivas para a tecnologia de alimentos enterais? Existem áreas específicas de pesquisa ou desenvolvimento que você acredita que terão um impacto significativo na eficácia e nos benefícios desses produtos?

Com os avanços tecnológicos, desenvolvimento de ingredientes inovadores e abordagens baseadas em evidências, as perspectivas no desenvolvimento de produtos para nutrição enteral se mostram bastante positivas e promissoras.

Em termos de abordagem científica e uma medicina baseada em evidência, o conhecimento do metabolismo em condições de doenças e, mais recentemente o perfil genético do paciente são áreas de grande interesse. A nutrigenômica por exemplo, que resumidamente é o estudo da influência que os alimentos exercem sobre a expressão de nossos genes, pode ser um campo de pesquisa que influenciará no avanço do desenvolvimento das formulações enterais. E as pesquisas clínicas com pacientes graves de terapia intensiva todos os anos trazem novidades e novas condutas que vão influenciar a rotina de prescrição dos profissionais de saúde.

Do ponto de vista de ingredientes inovadores, como falado anteriormente, os probióticos em nutrição enteral têm sido objeto de pesquisa, devido a sua relação com a saúde, especialmente gastrintestinal, além de benefícios que envolvem uma redução do risco de infecções do trato respiratório, melhora do processo de digestão e absorção ou sua modulação do sistema imunológico. Mas importante ressaltar, que ainda faltam muitos estudos que comprovem sua segurança na nutrição enteral, já que não devem ser indicados para todos os pacientes em nutrição enteral. Além disso, é necessária a seleção adequada e dosagem correta que não leve a riscos potenciais aos pacientes. Por essa razão, ainda não encontramos uma diretriz já trazendo as recomendações sobre o tema.

Outra área de pesquisa inovadora envolve o uso de ingredientes baseados em micro e nano encapsulação de nutrientes. Essa tecnologia envolve o revestimento dos nutrientes em microcápsulas, o que pode melhorar a estabilidade dos mesmos durante o processamento ou armazenamento da formulação enteral, além de promover uma liberação controlada desses nutrientes no trato gastrintestinal, melhorando seu processo de digestão e/ou absorção.

Outra prática interessante no desenvolvimento das formulações enterais, é a de proporcionar uma liberação gradual e prolongada dos nutrientes, gerando uma absorção mais eficiente e uma resposta metabólica mais estável ao longo do tempo. Um bom exemplo sobre isso é a mistura de proteínas de diferentes velocidades de metabolização (lenta e rápida), permitindo a manutenção do pool de aminoácidos para pacientes com perda muscular.

Para os produtos de uso oral, que também fazem parte da Terapia Nutricional, a melhoria na aceitação e palatabilidade dos produtos de nutrição enteral é outra área de foco. Esforços estão sendo feitos para tornar as fórmulas mais saborosas e agradáveis ao paladar, oferecendo uma variedade de sabores e texturas.

3. À medida que a tecnologia avança, a personalização dos alimentos enterais se torna cada vez mais viável. Comente um pouco a respeito das possibilidades atuais e futuras para a personalização de alimentos enterais, considerando fatores como perfil nutricional, preferências do paciente e necessidades clínicas.

Acho importante ressaltar que atualmente já podemos ver no mercado um portifólio de dietas enterais para diferentes condições clínicas. As diretrizes internacionais fornecem orientações específicas para diferentes condições médicas, como doenças renais, doenças hepáticas, diabetes, câncer, distúrbios gastrointestinais, entre outros.

Diante disso, as empresas estão sempre desenvolvendo fórmulas especializadas que atendem às necessidades nutricionais específicas de cada condição, seguindo as recomendações das diretrizes. Isso é muito positivo para o profissional de saúde, facilitando a sua prescrição e trazendo um melhor desfecho para seus pacientes em risco nutricional.

Como mencionado anteriormente, devido ao crescente interesse na alimentação saudável e sustentável, os consumidores estão procurando produtos orgânicos e naturais. As diretrizes não abordam especificamente a produção orgânica, mas o desenvolvimento de produtos de nutrição enteral com ingredientes orgânicos e naturais está em ascensão para atender a essa demanda do mercado.

Muitas diretrizes também destacam a importância de considerar as preferências do paciente e sua capacidade de consumir a suplementação nutricional oral. Os fabricantes estão trabalhando para melhorar a palatabilidade dos produtos, oferecendo uma variedade de sabores e texturas atraentes para promover uma melhor adesão e aceitação da Terapia Nutricional Oral. 

4. Como acontece o processo de pesquisas e estudos clínicos para comprovar a eficácia e segurança dos alimentos enterais?

O processo de pesquisas e estudos clínicos para comprovar a eficácia e segurança das formulações enterais devem garantir a validade e confiabilidade dos resultados. Geralmente esses estudos são conduzidos por pesquisadores e profissionais de saúde em colaboração com centros de pesquisa, instituições hospitalares e até mesmo a indústria.

Logicamente, esses estudos devem passar por várias etapas, sendo fundamental que sejam submetidos a comitês de ética para garantir a segurança dos pacientes envolvidos no estudo, de acordo com o objetivo principal proposto.

Durante o estudo, os dados relevantes são coletados e analisados constantemente para a avaliação da sua eficácia e segurança para que no futuro o mesmo possa ser publicado em revistas científicas de renome que irão nortear as condutas dos profissionais de saúde mundialmente. É importante destacar que o processo de pesquisa e estudos clínicos para nutrição enteral pode levar tempo e exigir várias etapas a fim de garantir a qualidade dos resultados, além disso, também deve estar em conformidade com regulamentações e diretrizes éticas estabelecidas pelos órgãos.

Do ponto de vista da indústria, ela utiliza os resultados das pesquisas como base científica para o desenvolvimento de novas formulações enterais ou para aprimorar as formulações existentes. Os estudos clínicos fornecem informações valiosas sobre a eficácia dos nutrientes, sua biodisponibilidade, efeitos na saúde ou resposta inflamatória ou imunológica, entre outros aspectos relevantes.

Mas o grande desafio, além das considerações clínicas do estudo, é traduzir isso no desenvolvimento das formulações enterais, onde os aspectos relacionados à produção, processamento e armazenamento também precisam ser considerados. Portanto, é preciso levar em conta aspectos práticos como a estabilidade dos ingredientes, tempo de validade, a viabilidade da produção em larga escala, a embalagem adequada, palatabilidade, facilidade de administração, entre outros aspectos.

5. Você poderia nos contar sobre os principais desafios regulatórios enfrentados pela empresa na fabricação e comercialização de alimentos enterais? O que tem sido feito para mitigar essas dificuldades?

As empresas enfrentam desafios regulatórios significativos ao fabricar e comercializar alimentos enterais, principalmente devido à existência de discrepâncias entre a regulamentação brasileira e as normas internacionais. Essas diferenças regulatórias podem criar obstáculos técnicos e dificultar o comércio global de produtos.

Uma das principais áreas de divergência diz respeito à regulamentação brasileira (RDC 21/2015), que estabelece uma alta especificidade na composição das fórmulas enterais. Em contrapartida, as normas internacionais, como o Codex, adotam uma abordagem mais flexível, entendendo que fórmulas enterais são alimentos e não medicamentos, permitindo inovação e adaptação dos produtos de acordo com as necessidades clínicas individuais dos pacientes.

Outro desafio regulatório é a proibição, nas normas brasileiras, de mencionar a indicação de uso ou problema de saúde específico para o qual o produto se destina. Essa restrição contrasta com as normas internacionais, que consideram essa informação como essencial. Embora a intenção por trás dessa proibição da ANVISA seja evitar o consumo indevido por falta de conhecimento sobre o produto, ela pode criar dificuldades na compreensão do produto e promoção adequada dos alimentos enterais.

Para superar essas dificuldades regulatórias, é essencial buscar a harmonização das regulamentações internacionais, alinhando as normas brasileiras com as melhores práticas, princípios e padrões internacionalmente reconhecidos. Ao alcançar essa harmonização regulatória, seria possível reduzir as barreiras comerciais e facilitar o fluxo livre de produtos entre os países, o que, por sua vez, traria produtos inovadores ao mercado local.

Em resumo, o setor enfrenta importantes desafios regulatórios na fabricação e comercialização de nutrição enteral devido às diferenças entre as normas brasileiras e as normas internacionais, especialmente em relação à composição das fórmulas e às restrições relacionadas à indicação das condições de saúde para as quais o produto possa ser utilizado. Para superar essas dificuldades, é necessário buscar a harmonização regulatória internacional.

6. Há algo que você queira adicionar a essa entrevista e que não foi perguntado?

Acredito que não, mas apenas talvez seja importante reforçar que as pesquisas clínicas e as diretrizes estão em constante evolução. Então, à medida que novas evidências surgem, também novas recomendações são estabelecidas. Portanto, a indústria deve acompanhar de perto essas mudanças a fim de garantir que suas formulações permaneçam atualizadas e de acordo com as evidências científicas.

Ainda, é necessário um enfoque multidisciplinar envolvendo pesquisadores, profissionais de saúde, indústria, órgãos regulatórios, entre outros. É fundamental a colaboração entre todos os atores para traduzir os resultados das pesquisas clínicas em formulações enterais seguras, eficazes e acessíveis aos diferentes pacientes e condições clínicas.

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