<strong>Júnia Maia avalia os benefícios do novo modelo para registro e controle sanitário de alimentos</strong> - Abiad

Júnia Maia avalia os benefícios do novo modelo para registro e controle sanitário de alimentos

31 de janeiro de 2023

Júnia Maia, representante da Prodiet e membro do Conselho de Ética da ABIAD atuou nos trabalhos de revisão das propostas das normativas de registro de alimentos. Em entrevista, ela comenta sobre as melhorias esperadas como resultado das Consultas Públicas, que serão publicadas ainda neste ano.

  • Sabemos que as Consultas Públicas 1.113/22 e CP 1.114/22 foram abertas com o objetivo de promover melhorias e mais efetividade nos procedimentos regulatórios de alimentos. Por que é importante participar dessas ações?

Nós entendemos que é muito importante participar das ações de consulta pública, pois são momentos em que as empresas têm a oportunidade de expor opiniões a respeito da questão regulatória, eliminando entraves que não fazem mais sentido no mundo atual, além de trazer contribuições que podem melhorar efetivamente o dia a dia da indústria em geral.

Sabemos que as regulações nem sempre andam na mesma velocidade das inovações que as empresas trabalham, então, o momento de discussão é relevante justamente por essa abertura. Por meio disso, podemos ver o que a Anvisa está propondo e avaliar como viabilizar melhorias. É fundamental que a Agência reguladora saiba quais pontos estão funcionando e quais requerem atenção. Afinal, a publicação de novos atos visa facilitar o trabalho de todos.

  • Por que ou como foi identificada a necessidade de modernizar e atualizar a regulamentação?

O registro de alimentos é antigo no Brasil. A norma que rege esse serviço vem de um decreto que existe há mais de 50 anos. A regulação da Anvisa, que está sendo revisada agora é dos anos 2000 e vem evoluindo na sua forma de controle e fiscalização. Modernizaram-se muitos aspectos envolvendo sistemas, requisitos e na forma de apresentar a documentação.  Passamos do papel ao eletrônico. E com essas mudanças todas, o antigo marco foi ficando discrepante, principalmente porque ele aplica um controle diferente.

Por exemplo, temos produtos que são regularizados e registrados junto à Anvisa e temos os produtos que são isentos de registro, chamados de “comunicado de início de fabricação”. Estes últimos passam atualmente pelo crivo da vigilância local. E cada uma das vigilâncias regionais tem uma interpretação e aprofundamento distinto sobre a legislação federal. Esse é o primeiro ponto de dificuldade das empresas. Estar em um município onde a vigilância é atuante ou em um município com alta demanda e mais flexível em termos de exigências documentais para os produtos sujeitos ao “comunicado” significa encontrar resiliências distintas. Essa discrepância faz com que as indústrias passem por exigências diferentes, mesmo havendo uma legislação federal única.

Nesse sentido, há uma novidade grande na Consulta Pública, que é a de centralizar todos os requisitos nessa nova regulamentação da Anvisa. Tanto produtos isentos quanto produtos sujeitos a registro, ou os notificados, deverão seguir o checklist das novas normas propostas e advindas destas consultas públicas (CP 1113/2022 e 1114/2022). Hoje, apenas os produtos sujeitos a registro são regularizados na Anvisa e os isentos são comunicados na vigilância local, porém não há uma lista de documentos única, o que faz com que cada munícipio faça uma análise diferente dos mesmos tipos de produtos. Acredito que essa padronização trazida pelas consultas públicas já seja uma tentativa de harmonizar os requisitos e facilitar a análise das vigilâncias locais.

  • Havendo essa unificação, fica garantida a diminuição das discrepâncias regionais?

A expectativa é essa, pois tudo ficará centralizado em um único critério, além de trazer maior segurança jurídica às empresas para o atendimento dos requisitos. Inclusive, o objetivo das empresas em contribuir por intermédio da ABIAD com a revisão dessas consultas públicas é tornar mais claro, tanto quanto possível, quais são esses requisitos e adequá-los à realidade atual do setor.

Nem sempre o sistema atual é fácil de compreender. Nos deparamos com dificuldades em identificar quais informações e documentos devem ser apresentados, por exemplo. Com essas Consultas Públicas, a Anvisa trouxe uma lista de documentos que precisarão ser apresentados para cada tipo de petição futuramente. E a partir disso, as empresas puderam endereçar suas críticas e sugestões. A maior parte dos apontamentos buscavam entender qual seria esse sistema e o que realmente queriam dizer as novas informações que foram ali incluídas. Tendo essas dúvidas atendidas, as empresas ganham em segurança jurídica ao protocolar os processos adequadamente e terem deferimento. É possível reduzir o tempo das análises e simplificar os procedimentos, desde que as empresas saibam de antemão aquilo que será exigido delas.

  • Há impactos negativos a serem evitados na legislação atual? E quais são os desafios presentes na legislação que poderiam ser endereçados durante esses processos de Consultas Públicas finalizados em dezembro?

Temos desafios nos mais diversos sentidos. Todavia, a adequação dentro dos prazos sempre tende a ser um ponto desafiador. Isso porque há uma cadeia de adequação dentro das empresas. Esse processo inclui seleção de documentos, ações de antecipação, e escoamento de rótulos e fabricações que já foram feitas. Toda mudança de legislação que envolve rotulagem provoca movimentações dessa magnitude.

Nesses últimos anos, passamos pela mudança na regulamentação específica de rotulagem nutricional, que está em vigor desde outubro de 2022 e finaliza o prazo de adequação em outubro deste ano, e agora vamos passar pela alteração da regulamentação dos registros de alimentos. Quando essas questões caminham juntas, nos deparamos com uma complexidade muito grande e que exige do setor alta capacidade de adaptação e gestão interna das demandas decorrentes dessas mudanças.

Dessa forma, acredito que o maior desafio é fazer as adequações, estando em conformidade com os requisitos, e atendendo a todos os prazos estipulados pela Anvisa. Se, por um lado, temos impactos positivos para o setor, em virtude da agilidade e homogeneidade no tratamento de todos os tipos de regularização de produtos, por outro lado, precisamos trabalhar, simultaneamente, com essa complexidade, nos adequando a possíveis mudanças no sistema de peticionamento e ainda seguindo com os ajustes nos leiautes das embalagens.

Em outras palavras, estamos vivendo ainda a adequação de produtos existentes à nova regra de rotulagem nutricional, que dura até outubro desse ano. Saindo disso, possivelmente já entraremos na mudança prevista que diz respeito à forma de regularização ou de revalidação dos processos que temos hoje. Isso significa que passaremos um longo período em atualizações regulatórias para adaptação a essas normas, o que é sempre desafiador por envolver uma necessidade de estudo e entendimento constantes com relação a todas essas novidades.

  • O que se espera com a modernização destes procedimentos regulatórios envolvendo o registro de alimentos e embalagens? Pergunto isso tanto no ponto de vista das empresas, quanto dos consumidores e dos órgãos reguladores.

O grande ganho é a simplificação de procedimentos. Essa é uma tendência mundial em que os órgãos reguladores trabalham menos burocraticamente, aplicando o monitoramento pós comercialização, ou seja, simplificação de procedimentos para registrar os produtos de menor risco e promoção de uma atuação mais efetiva no mercado. Nessa lógica, depois que os produtos são disponibilizados, as empresas são inteiramente responsáveis por eles. Cabe a elas cumprir a legislação do início ao fim, não apenas no registro, mas ao longo de todo o ciclo de vida do produto.

No meu entendimento, a Anvisa está seguindo essa tendência mundial de reduzir as burocracias da regulamentação.  Antes, apresentava-se mais papel e o tempo de deferimento era maior. A partir de agora, contaremos com um processo mais prático, onde se verificará diretamente no mercado se os produtos da prateleira estão cumprindo com o que está no registro. Basicamente, é mais agilidade no registro, dispensando análise prévia das categorias de produtos que possuem critérios de qualidade muito bem estabelecidos, sem abrir mão da responsabilização das empresas no que tange ao cumprimento das exigências no mercado.

Essa flexibilização foi acontecendo aos poucos, conforme o grau de risco de cada tipo de produto. Não teremos mais demora para ter a concessão do registo e, por consequência, os produtos chegarão ao mercado com mais agilidade. Chamamos isso de redução do time to market. Produtos realmente mais complexos, como uma fórmula infantil para lactentes ou uma fórmula modificada para nutrição enteral, já são habitualmente sujeitos a registro, e isso é esperado, considerando a exigência maior de suporte científico para embasar esses alimentos. Por outro lado, uma fórmula padrão para nutrição enteral e um módulo para nutrição enteral passarão a ser apenas notificados, o que configura um processo muito mais simples e rápido.

Além disso, a categoria de suplementos alimentares, que vem crescendo ano após ano e que, no momento é sujeita ao comunicado de início de fabricação junto à vigilância local, passará a ser sujeita à notificação na Anvisa, gerando uma uniformização de tratamento para esse tipo de produto tão relevante para os consumidores atualmente. Essa harmonização de critérios representa um importante avanço para a indústria de alimentos, que busca trabalhar sempre com alto nível de qualidade e confiabilidade de seus produtos, embasados na ciência e nos padrões internacionais.

  • É possível fazer um benchmark com outros países? Qual(is) exemplos positivos nesse setor poderiam inspirar o Brasil?

Nós temos algumas definições de tipos de categorias de alimentos que são específicas do Brasil, mas nos baseamos muito pelo que a União Europeia faz. Esse é um exemplo muito positivo de pós mercado. Dentro do sistema europeu, as empresas são livres para colocar os produtos de acordo com a regulamentação e não há grandes entraves nas análises de registro, pois a grande maioria dos alimentos são apenas notificados. Entendo que, embora a gente ainda não tenha conseguido harmonizar as categorias de alimentos, conseguimos nos inspirar nesse modelo.

Aqui, nós chamamos de “nutrição enteral”, lá eles chamam de “food for special medical purposes”.  Então, há essa diferença de categorias e definições ou até mesmo de requisitos que ainda não estão harmonizados. Essa harmonização é um desejo do setor, pois facilitaria para que as empresas nacionais pudessem exportar um mesmo produto com a mesma rotulagem daqui para os demais mercados. O ideal é oferecer produtos que atendam o maior número de países possível.

  • Como você avalia o diálogo sobre a revisão da legislação atual promovido pela Anvisa junto ao setor regulado?

Nós tivemos várias dúvidas na hora de interpretar as consultas públicas, antes de poder colocar as nossas contribuições. Foi isso que nos motivou a solicitar, por meio da ABIAD, um webinar com a Anvisa voltado para o esclarecimento desses pontos. Sugerimos que a Agência expandisse os prazos dessas consultas públicas, pois tratava-se de textos extensos.

A todo momento, houve abertura para discussão. A Anvisa se mostrou disposta a contribuir e esclarecer as questões que trouxemos. Tudo isso ajudou e possibilitou que a gente fizesse uma contribuição ainda melhor dentro do prazo proposto.

E é importante que exista essa disponibilidade por parte da Anvisa, porque é realmente muito difícil conciliar os interesses dos diversos setores frente a uma legislação tão ampla como essa.

  • E como isso tem caminhado no Mercosul? Há esforço em unificar?

No Mercosul nós temos a experiência recente da declaração da informação nutricional, onde não conseguimos harmonizar o símbolo da lupa frontal. O Brasil adotou a lupa, ao passo que outros países como Argentina e Chile adotaram o octógono. Nesse caso, acredito que a unificação por aqui é ainda um tópico complexo e que merece atenção no futuro.

  • Muitos pontos pertinentes foram levantados a respeito da regulação de registro de alimentos em 2022. Podemos afirmar que 2023 será o ano em que haverá aperfeiçoamento? O que procederá a partir de agora?

A grande expectativa para 2023 é que a Anvisa disponibilize o resultado das Consultas Públicas, cumprindo com o cronograma estabelecido por ela. Uma vez publicados os novos regulamentos, nós teremos uma visão mais definitiva sobre quais os prazos e se nossas contribuições serão contempladas. Houve um esforço muito grande do setor para discutir o assunto. Por isso, esperamos que pontos importantes sejam considerados e viabilizem a nova norma. Nosso desejo é garantir a melhor adequação possível.

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