A história da rotulagem nutricional no Brasil passou a ter mais destaque na década de 90, com a harmonização do tema no Mercosul – Resolução Mercosul n° 18/1994. Na época, a declaração dos nutrientes tinha caráter opcional, sendo obrigatória apenas quando se fazia alguma declaração de propriedade nutricional.
Diante da necessidade de informar melhor o consumidor, e assim contribuir para a melhoria no hábito de consumo de diversos alimentos, o governo brasileiro saiu à frente numa iniciativa de revisão dessa norma Mercosul, publicando internamente normativas que tornavam obrigatória a inclusão da tabela nutricional nos rótulos de produtos industrializados.
Essa legislação interna feriu o acordo com os países do Mercosul, embora tenha havido um trabalho colaborativo, em que o Governo e setor de alimentos discutiram quais nutrientes deveriam ser declarados, além de outros aspectos, como a declaração de nutrientes por porção, a própria definição dessas porções e a inclusão da porcentagem de valor diário.
Isso levou à necessidade de retomada da discussão com os demais países membros do Mercosul. Após acordos políticos e técnicos, outras questões foram levantadas no sentido de tornar a rotulagem nutricional obrigatória. Essa ação culminou em novas normas Mercosul, internalizadas, isto é, publicadas no Brasil, como a Resolução RDC n° 360/2003 e Resolução RDC n° 359/2003 (porções), ambas em vigor até 09 de outubro de 2022.
Mesmo após a implementação e definição de prazos para adequação das referidas resoluções, vários pontos de correção e melhorias foram se apresentando como essenciais, tanto para o setor regulado, como para a implementação adequada de políticas públicas relacionadas à alimentação. Tudo isso somava-se à preocupação em caráter mundial sobre o aumento das doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão/doenças do coração, entre outros problemas de saúde que estavam, em muitos casos, atrelados ao aumento de sobrepeso e obesidade, condições responsáveis pelo maior risco de adoecimento e morte em decorrência de complicações.
Ciente disso, a Anvisa começa a trabalhar em 2014 de forma estruturada, atendendo a essa grande preocupação com a saúde pública e visando melhores práticas regulatórias. O primeiro passo foi a instituição, pela Portaria n° 949/2014, de um Grupo de Trabalho, formado para auxiliar na elaboração de propostas regulatórias relacionadas à rotulagem nutricional. Este grupo contou com a participação de vários setores do governo, setor produtivo de alimentos (ABIA, ABIAD e CNI), Conselho Federal de Nutrição, sociedade civil organizada (IDEC, PROTESTE) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O grupo se reuniu por quase dois anos e teve como objetivo avaliar e identificar os problemas a partir da implementação da Resoluções 360 e 359/2003. O ponto de partida se referia ao entendimento do consumidor, de onde várias solicitações foram pontuadas, principalmente pela sociedade civil organizada. Pretendia-se deixar mais claras, tanto a tabela nutricional, como outras informações de rótulo, a saber: lista de ingredientes, informação complementar (claims), a importância de a declaração de nutrientes ser feita por 100 g e 100 ml e não por porção.
Quanto à rotulagem nutricional frontal, houve muita insistência para a inclusão de ícones como o octógono do Chile, evoluindo na sequência para a proposta de um triângulo negro, o que acabou não sendo acatado posteriormente. Após a finalização do grupo de trabalho, em 2016, a Anvisa se recolheu e passou a avaliar todas as informações coletadas e discutidas para, em 2017, dar início ao processo regulatório propriamente dito, com a publicação de um relatório e a inserção do tema na Agenda Regulatória.
Seguindo os trâmites previstos pelas boas práticas regulatórias, a Anvisa lançou um relatório preliminar de AIR (Análise de Impacto Regulatório), fase em que se identificavam todos os impactos da alteração proposta. O processo teve seguimento por meio da realização da TPS (Tomada Pública de Subsídios), em 2018, dando a oportunidade para a participação da sociedade. Após a compilação de todas essas contribuições, aconteceu a publicação da AIR final e das propostas de instrumento regulatório, formalizadas pelas Consultas Públicas 707 e 708/2019, que ficaram sujeitas à avaliação por tempo determinado.
Estes documentos, depois de consolidados, foram submetidos à Diretoria Colegiada (DICOL) e aprovados para publicação no Diário Oficial da União (DOU), nas formas da Resolução RDC 429/2020 e Instrução Normativa 75/2020, que entram em vigor a partir de 09 de outubro de 2022.
A ABIAD, como principal representante da indústria de alimentos para fins especiais, colaborou ativamente em todas as etapas desse processo, desde 2014, contribuindo não somente com o envio de considerações aos documentos, mas participando ativamente das reuniões com a Anvisa e as várias associações parceiras. O resultado disso culminou em um trabalho robusto, tecnicamente amparado pelos coordenadores internos e das empresas associadas, além de todo suporte da Diretoria Executiva.
De forma geral, o processo regulatório seguiu de forma transparente e adequada. No entanto, como toda regulação, cabe revisão em muitos pontos, que deverão ainda ser avaliados posteriormente e requerem continuidade do trabalho junto à Anvisa, mesmo após a entrada em vigor dessas novas normativas, cujas estratégias devem ser ininterruptas, algo que já vem sendo amplamente constatado.