Autor: Flavio Zambrone
Recentemente a imprensa nacional e internacional causou surpresa ao noticiar que a Organização Mundial da Saúde classificou o aspartame como “possivelmente carcinogênico” para humanos (grupo 2B). Mas antes de banir os “produtos diet|” de sua lista de compras, vamos entender melhor esta história.
O aspartame é um adoçante artificial amplamente utilizado em alimentos e bebidas desde a década de 1980, sendo um dos principais ingredientes usados pela indústria de bebidas e alimentos na produção de refrigerantes sem açúcar, sucos, balas, chicletes, sorvetes, gelatinas, entre outros.
As notícias sobre o aspartame tiveram como base uma publicação da IARC, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), vinculada à Organização Mundial da Saúde. Desde 1971 o Programa de Monografias da IARC avalia as possíveis causas de câncer em humanos. Até hoje já foram mais de 1000 substâncias analisadas, entre produtos químicos, agentes biológicos e físicos (o vírus da hepatite B e a radiação solar, por exemplo) e fenômenos como a poluição, o tabagismo e certos tipos de atividades profissionais.
Para suas avaliações, a IARC forma grupos de trabalho com especialistas internacionais independentes que revisam as evidências científicas relacionadas à substância examinada. Os critérios de avaliação da agência se concentram em determinar a força das evidências na indicação de que o agente estudado pode causar câncer, ou seja, a IARC não se preocupa com dose e tempo de exposição, o que significa que suas avaliações são limitadas.
O resultado destas avaliações é utilizado para a classificação das substâncias em uma das 4 categorias criadas pela instituição: Grupo 1 – substâncias carcinogênicas para humanos; Grupo 2A – substâncias provavelmente carcinogênicas para humanos; Grupo 2B – substâncias possivelmente carcinogênicas para humanos e Grupo 3 – substâncias não carcinogênicas para humanos.
Mas a OMS também avalia substâncias como o aspartame, através do JECFA (Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives), um comitê internacional de especialistas científicos administrado conjuntamente com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)., O grupo de cientistas do JECFA reúne-se desde 1956 para avaliar a segurança dos aditivos alimentares, contaminantes, tóxicos naturais e resíduos de medicamentos veterinários em alimentos, tendo até o momento avaliado mais de 2.700 substâncias.
O trabalho do JECFA é embasado em princípios para a avaliação de segurança de produtos químicos em alimentos que são consistentes com o pensamento atual da toxicologia. O comitê realiza avaliações do risco que determinam a probabilidade de ocorrência de um tipo específico de dano (câncer) sob determinadas condições e níveis de exposição. Não é incomum que o JECFA leve em consideração as classificações da IARC em suas deliberações.
No que diz respeito ao aspartame, tanto a IARC, quanto o JECFA realizaram importantes avaliações baseadas em dados científicos coletados de diversas fontes e análises por especialistas independentes. Porém, há uma diferença crucial entre as duas análises: seu objetivo.
O objetivo central do Programa de Monografias da IARC é identificar agentes perigosos e com o potencial de causar câncer intrínseco à sua própria composição. Já o objetivo das avaliações do JECFA é o de determinar a probabilidade de determinada substância causar um dano à saúde, ou seja, avaliar o seu risco de acordo com o perigo que ela oferece e as condições às quais estamos expostos.
À primeira vista os dois conceitos parecem semelhantes. Mas não se engane, eles são substancialmente diferentes. Ao não considerar a dose e tempo de exposição a avaliação da IARC fica incompleta e descontextualizada. Já o JECFA estabelece, quando cientificamente possível, as doses seguras, que não causam danos à saúde do consumidor.
Voltando para o aspartame, a conclusão do JECFA é que o adoçante é seguro, quando consumido dentro da ingestão diária aceitável definida em sua avaliação do risco, o que nos mostra que as notícias publicadas apenas com base no relatório da IARC pecaram pela parcialidade.
Dr. Flávio A.D. Zambrone
Médico toxicologista
Especialista em Toxicologia Clínica pela Universidade de Paris-França
Especialista em Saúde Pública pela Unicamp
Doutor em Medicina pela Unicamp
Professor Doutor de Toxicologia e Saúde Pública pela Unicamp (aposentado)
Membro da American Academy of Clinical Toxicology
Fellow do American College of Clinical Toxicology
Referências: