O setor de alimentos para fins especiais dentro do contexto da sustentabilidade - Abiad

O setor de alimentos para fins especiais dentro do contexto da sustentabilidade

24 de maio de 2024

1. Maria Fernanda, para começar, você poderia explicar a relação entre sustentabilidade, saúde, nutrição e bem-estar?

A sustentabilidade é um tema amplo e complexo, que abrange o meio-ambiente, a economia, o social e outras dimensões direta ou indiretamente relacionadas. Nesse contexto, o sistema de produção alimentar e as nossas escolhas alimentares desempenham um papel crucial.

Esta interligação entre sustentabilidade, saúde, nutrição e bem-estar pode ser observada na definição de dietas sustentáveis da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura): Dietas Sustentáveis são aquelas dietas com baixo impacto ambiental que contribuem para a segurança alimentar e nutricional e para uma vida saudável para as gerações presentes e futuras. As dietas sustentáveis protegem e respeitam a biodiversidade e os ecossistemas, são culturalmente aceitáveis, acessíveis e economicamente justas; otimizando simultaneamente os recursos naturais e humanos [1]. 

2. Por que é necessário considerar uma agenda integrada, que aborda não apenas o aspecto ambiental, mas também os elementos social e de gestão, ao pensar no crescimento sustentável do setor ligado à nutrição?

Porque a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável considera tudo isso. A agenda 2030 reconhece que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Os ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU (Organização das Nações Unidas) buscam concretizar os direitos humanos de todos e alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas. Eles são integrados e indivisíveis, e equilibram as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental.

Sem uma agenda integrada e uma boa gestão não será possível alimentar e nutrir a crescente população mundial nem atingir os ODSs. Atualmente, são cerca de 1.6 bilhões de mulheres em idade reprodutiva e crianças pequenas deficientes em vitaminas e minerais em todo o mundo. Ou seja, 1 em 2 crianças em idade pré-escolar e 2 em 3 mulheres em idade reprodutiva apresentam deficiências de micronutrientes. E o mais impressionante é que esse grave problema de saúde pública não é mais exclusivo de países de baixa renda per capta. Essas deficiências também são comuns em países de renda per capta alta, como Reino Unido e Estados Unidos, ou seja, é um problema global [2]. E sem nutrição e saúde não há desenvolvimento sustentável.

3. Com base na sua expertise, poderia comentar sobre as oportunidades de contribuição do setor de alimentos para fins especiais na promoção de saúde e nutrição da população?

Se focarmos apenas em 2 dos 17 ODSs, mais especificamente no ODS 2 (Fome Zero) e no ODS 3 (Saúde e Bem-Estar) já é possível vislumbrar um impacto importante. Isso porque o ODS número 2 inclui metas muito bem definidas sobre “acabar com todas as formas de desnutrição, incluindo atingir, até 2025, as metas acordadas internacionalmente sobre atender às necessidades nutricionais dos adolescentes, mulheres grávidas e lactantes e pessoas idosas. E o ODS número 3 tem a meta de, até 2030, reduzir em um terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis (como hipertensão, diabetes, obesidade e câncer) via prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar [3].

Ou seja, nesse sentido, fica claro que o setor de alimentos para fins especiais tem muitas oportunidades de contribuir para o atingimento dos ODSs e na promoção de saúde e nutrição da população, dentro do contexto da sustentabilidade. Isso tudo, sem considerar fatores como uso consciente de água e energia no processo produtivo, emissão de gases de efeito estufa, proteção da biodiversidade e uma série de outras ações que podem ser incluídas nas estratégias de inovação.

4. Pensando no problema da fome oculta e os impactos das mudanças climáticas na disponibilidade de alimentos globalmente, como você avalia a importância da colaboração entre diferentes atores da sociedade, incluindo empresas, órgãos reguladores, pesquisadores, entre outros, para resolver esse desafio?

Eu considero essas alianças fundamentais para que a gente possa evoluir. Como eu mencionei anteriormente, não será possível erradicar a pobreza e garantir prosperidade para todos sem um olhar atento para ações que confrontam a fome oculta e a desnutrição. Já está muito bem documentado na literatura científica que as deficiências de nutrientes (vitaminas, minerais, proteínas, ácidos graxos essenciais) comprometem o sistema imunológico, prejudicam o crescimento e o desenvolvimento infantil e afetam o potencial humano em todo o mundo. Por outro lado, o acesso à alimentação e à boa nutrição promove a saúde, o bem-estar e a prosperidade económica [4,5).

Mas, nenhum desses atores que você menciona – iniciativa privada, governo, academia, ONGs, sociedade civil – vai conseguir confrontar essas questões sozinhos, seja por falta de conhecimento, de recursos, de experiência ou de poder para implementar ações em nível local e federal. É fundamental haver diálogo e colaboração constante, para unir forças, definir prioridades, metas e trabalharmos todos em uma mesma direção.

5. Por fim, que iniciativas ou estratégias as empresas do setor devem considerar para assegurar que suas operações estejam alinhadas com os propósitos de desempenho social, sustentabilidade e uma economia saudável?

Na minha opinião, todos nós, empresas ou indivíduos, deveríamos basear nossas estratégias e ações nos ODSs da ONU. Obviamente, é muito difícil querer abraçar todos os 17 ODSs logo no início, mas podemos começar elencando 4 ou 5 ODSs que entendemos terem mais sinergia com as nossas atividades ou que precisam de uma ação de melhoria a curto prazo. 

Pensando no setor produtivo relacionado com alimentação, nutrição e saúde, os ODSs 2 (Fome Zero) e ODS 3 (Saúde e Bem-Estar), como eu havia mencionado anteriormente, tem muita sinergia considerando inovação e desenvolvimento de portfólio, por exemplo.

Mas, não se limita a isso, já que as matérias primas selecionadas e toda a cadeia produtiva podem também considerar os ODSs 7 (Energia Limpa e Acessível), 12 (Consumo e Produção Responsáveis), 12 (Ação Contra a Mudança Global do Clima) e 14 (Vida na Água), por exemplo. Isso sem deixar de lado, é claro, o ODS 17 (Parcerias e Meios de Implementação). Somente com diálogo, colaboração e parcerias conseguiremos avançar na agenda de sustentabilidade. 

*Referências:

[1] Burlingame, B. (2012). Sustainable diets and biodiversity – Directions and solutions for policy research and action Proceedings of the International Scientific Symposium Biodiversity and Sustainable Diets United Against Hunger. Rome: FAO.

[2] Stevens GA, Beal T, Mbuya MNN, Luo H, Neufeld LM; Global Micronutrient Deficiencies Research Group. Micronutrient deficiencies among preschool-aged children and women of reproductive age worldwide: a pooled analysis of individual-level data from population-representative surveys. Lancet Glob Health. 2022 Nov; 10(11):e1590-e1599. doi: 10.1016/S2214-109X(22)00367-9. PMID: 36240826;

[3] https://brasil.un.org/pt-br/sdgs

[4] Gombart AF, Pierre A, Maggini S. A Review of Micronutrients and the Immune System-Working in Harmony to Reduce the Risk of Infection. Nutrients. 2020 Jan 16;12(1):236. doi: 10.3390/nu12010236. PMID: 31963293; PMCID: PMC7019735

[5] Azétsop J, Joy TR. Access to nutritious food, socioeconomic individualism and public health ethics in the USA: a common good approach. Philos Ethics Humanit Med. 2013 Oct 29;8:16. doi: 10.1186/1747-5341-8-16. PMID: 24165577; PMCID: PMC4231366.

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