1. Você entrou na diretoria quando o marco regulatório de suplementos alimentares já havia acontecido. Como uma especialista que observou a evolução desse processo, você poderia nos fornecer uma visão de como era o cenário pré-regulamentação e de como ele se transformou?
Tanto no âmbito brasileiro quanto mundial, havia uma visão equivocada e muitas controvérsias em relação aos suplementos alimentares. Profissionais de saúde e algumas empresas do setor apresentavam interpretações divergentes sobre o assunto, o que gerava confusão e falta de entendimento sobre o verdadeiro propósito dos suplementos alimentares.
Ao analisar essa situação, constatamos que informações enganosas estavam sendo disseminadas sobre os suplementos, tanto por parte de algumas empresas como por alguns profissionais de saúde. Era fundamental esclarecer as consequências do consumo desses produtos e orientar os consumidores sobre sua identificação e uso adequado.
Outro problema era a falta de ética nas alegações de benefícios para a saúde feitas por algumas empresas. Era crucial que as empresas, profissionais de saúde e consumidores compreendessem o papel dos suplementos alimentares e os cuidados necessários ao utilizá-los. A comunicação desempenha um papel fundamental nesse sentido e tem evoluído desde o início das discussões sobre o tema.
A publicação e revisão das normas regulatórias foram passos importantes para transformar o mercado, tornando-o mais organizado e reduzindo a presença de produtos de baixa qualidade. No entanto, para evitar a comercialização de produtos prejudiciais à saúde, é essencial educar e incentivar os consumidores a se tornarem fiscalizadores, buscando informações sobre os produtos que consomem.
Com a regulamentação em vigor, é esperado que o cenário continue a evoluir, com maior transparência e conscientização sobre os suplementos alimentares. A educação e a colaboração entre empresas, profissionais de saúde e consumidores são fundamentais para garantir a segurança e o benefício desses produtos para a saúde pública.
2. Durante o decorrer desse processo, houve atualizações sob a tua gestão, como a lista de ingredientes, por exemplo. Na tua avaliação, quais foram os maiores desafios desse ciclo regulatório?
A lista de ingredientes em suplementos alimentares, um dos maiores desfechos do marco regulatório, está em constante evolução devido às características dos ingredientes ativos e suas funções. Por outro lado, implementar essas atualizações no setor produtivo é um desafio complexo.
As empresas fabricantes investem esforços na busca por novidades, uma vez que a inovação desperta o interesse dos consumidores em adotar um estilo de vida mais saudável. No entanto, a dinâmica do setor produtivo nem sempre consegue ser acompanhada pela Anvisa na mesma velocidade, devido às limitações de recursos humanos disponíveis.
A regulação desse setor por si só já é desafiadora, exigindo a observância das obrigações normativas e a capacidade de lidar com as demandas em constante evolução. Tanto o setor produtivo quanto a Anvisa enfrentam dificuldades adicionais. Mesmo que a busca por novidades seja inegavelmente positiva, muitas vezes os prazos para realizar mudanças completas são quase impossíveis, pois envolvem etapas como construção, aquisição de equipamentos, validação de metodologias, desenvolvimento de procedimentos e contratação de pessoal qualificado.
Por isso, é fundamental seguirmos refletindo sobre os impactos dessa situação em toda a cadeia envolvida. Embora haja um impacto positivo na organização desse cenário, o desafio de acompanhar o ritmo do setor produtivo persiste. Revisões constantes, condutas públicas e reuniões são necessárias, porém, nem sempre há tempo suficiente para realizá-las no ritmo que desejamos.
3. O trabalho da Anvisa conta com a contribuição de diversas partes interessadas do setor de alimentos. O quanto essa participação conjunta envolvendo fabricantes, membros da sociedade e especialistas pode contribuir?
Na verdade, o controle de qualidade dos suplementos alimentares não se encerra na fábrica. Precisamos sempre considerar não apenas a atuação da vigilância sanitária, mas também promover uma educação adequada para todos os envolvidos. Isso significa engajar a todos.
A vigilância sanitária desempenha um papel proativo, não se limitando apenas à fiscalização, mas também se dedicando à educação e conscientização sobre os riscos envolvidos. Com isso, espera-se que a preocupação com a qualidade dos produtos seja mantida desde o processo de fabricação até a distribuição para os consumidores.
Aqui, vale destacar um exemplo relevante. Certas vitaminas são sensíveis à luz, ao calor e à umidade. Imagine uma fábrica que segue todas as boas práticas e certificações para suplementos alimentares. Se esses produtos são vendidos em uma tenda exposta ao sol, a qualidade e eficácia deles podem ser comprometidas, talvez até gerando subprodutos, de qualidade inferior. Nesse caso, os consumidores são os mais prejudicados ao adquirir e consumir esses alimentos.
Por conta disso, é necessário um trabalho conjunto entre as autoridades regulatórias, o setor produtivo, os vendedores e os consumidores para garantir que a comunicação adequada esteja presente em todas as etapas. Uma campanha de conscientização, envolvendo a Anvisa e profissionais da saúde, é fundamental para que a sociedade compreenda seu papel no controle dos produtos disponíveis no mercado.
É lamentável ver pessoas consumindo produtos sem orientação adequada, confiando em promessas milagrosas divulgadas de maneira antiética. Portanto, precisamos fornecer informações confiáveis aos consumidores, capacitando-os a tomar decisões conscientes sobre o que consomem. Acredito, assim, que educação e a conscientização desempenham um papel crucial na prevenção da chegada de produtos de qualidade comprometida ao mercado, além de capacitar os consumidores para fazerem escolhas informadas e seguras, atuando como vigilantes na ponta desse processo.
4. Pensando no momento atual, a Anvisa atingiu seu objetivo em termos de harmonização dos requisitos regulatórios, comercialização e garantia de consumo seguro dos suplementos alimentares?
No âmbito regulatório, as normas, revisões e implementações têm promovido um mercado mais organizado, com menos produtos de baixa qualidade. Nosso objetivo é facilitar a comunicação de forma clara e objetiva, abordando o papel dos suplementos alimentares e enfatizando a importância da ética nesse contexto. No entanto, a conscientização e a participação ativa dos consumidores também são fundamentais para garantir o atendimento dessa meta.
É importante ressaltar que as normas não são imutáveis, não são escritas na pedra, mas sim dinâmicas, acompanhando a evolução do mercado. Um exemplo é o caso do açúcar em refrigerantes. Anteriormente, utilizávamos açúcar como ingrediente, até descobrirmos que seu consumo excessivo pode ser prejudicial à saúde. Assim, buscamos alternativas e novos ingredientes para criar opções sem açúcar. Tudo precisa ser constantemente atualizado. O mesmo vale para os xaropes, que não podiam ser ingeridos por pessoas com diabetes.
As empresas fabricantes de ingredientes estão sempre pesquisando e descobrindo novas propriedades. Um mesmo ingrediente pode ter diferentes utilidades, como atuar como estabilizante ou acidulante. Esse cenário não se restringe ao Brasil, é uma realidade global do mercado.
Então, por que é necessário atualizar as normas? Porque as empresas estão constantemente buscando compreender as propriedades dos ingredientes. É fundamental avaliar se esses ingredientes podem melhorar ou piorar a saúde. As empresas investem em pesquisas para atender a essas demandas e, com base nos resultados, as normas são atualizadas, visando garantir a segurança e a qualidade dos produtos comercializados.
Nesse sentido, a nova regra possibilitou uma ampliação dos controles, visando evitar ações antiéticas por parte de fabricantes desinformados. Acredito que essa atualização tenha trazido ferramentas para um monitoramento e controle mais efetivos. No entanto, é importante ressaltar que esse ambiente está em constante evolução. A avaliação da eficácia de uma nova regra ocorre por meio do monitoramento de sua implementação. A norma em si traz a possibilidade de um controle seguro, mas é necessário que esse controle seja abrangente e vá além da atuação da Anvisa.
5. Do ponto de vista do consumidor, as novas regras de rotulagem e terminologia dos suplementos alimentares podem trazer benefícios, como evitar falsas declarações e impedir a compra de produtos sem eficácia comprovada?
Como mencionei anteriormente, a ética é um aspecto crucial a ser avaliado antes mesmo do investimento em novos produtos. Observamos empresas utilizando meios como mídias sociais e televisão para promover produtos alimentares de forma enganosa. É preocupante constatar a falta de ética ao alegar benefícios para a saúde, ignorando os princípios éticos relacionados ao bem-estar das pessoas.
Quando abordamos a ética na comunicação de produtos, é relevante considerar que a Anvisa não tem recursos para fiscalizar todas as propagandas veiculadas na televisão. Embora a norma tenha um papel válido e cumpra seus objetivos, não pode controlar completamente indivíduos desinformados. E Sempre haverá espaço para práticas antiéticas enquanto houver falta de informação.
A falta de esclarecimento e informações adequadas sobre os suplementos alimentares foi uma questão preocupante. Muitas vezes, a responsabilidade recai unicamente sobre o consumidor, que precisa realizar sua própria pesquisa para saber sobre o que está consumindo. Isso evidencia a falta de regulamentação, orientação por parte dos fabricantes e compartilhamento de responsabilidades.
Nesse sentido, a norma que regula o setor produtivo e organiza o cenário atual é essencial. Ela busca comunicar de forma clara e precisa os objetivos e informações sobre os suplementos aos consumidores, com uma base ética sólida.
Uma campanha de conscientização, envolvendo não apenas a Vigilância Sanitária, mas também a sociedade como um todo e o Ministério Público, seria uma forma eficaz de engajar a população nesse processo. É essencial que as pessoas compreendam como podem participar e se informar sobre os produtos que consomem, evitando serem enganadas por propagandas enganosas na mídia ou por produtos sem registro na Vigilância Sanitária.
Como farmacêutica, acredito que todos os profissionais da área têm o papel de orientar a sociedade sobre o controle dos produtos disponíveis no mercado. Considero muito grave ver casos em que pessoas consomem produtos sem conhecer os riscos envolvidos, especialmente quando empresas os anunciam como se fossem aprovados pela Anvisa, o que muitas vezes não é verdadeiro.
6. O crescente interesse dos consumidores brasileiros pelos produtos relacionados à categoria de suplementos alimentares evidencia um mercado em expansão e que está se modernizando. Considerando isso, você vê a necessidade de novas contribuições regulatórias para o futuro? Existe algum próximo passo planejado nesse sentido?
Atualmente, há uma mudança de consciência em relação à saúde, tanto entre os mais jovens quanto os mais velhos. As famílias estão adotando uma abordagem diferente em relação ao consumo de alimentos, com uma compreensão ampliada do que é considerado saudável.
Para o futuro, é fundamental promover discussões sobre essas questões, pois a conscientização e o acesso a informações sobre os impactos dos produtos na saúde são essenciais para que as pessoas possam fazer escolhas mais saudáveis. É importante acompanhar as pesquisas e atualizar as normas de acordo com os avanços científicos e as necessidades da sociedade. Dessa forma, podemos incentivar uma abordagem mais consciente, preventiva e responsável em relação à saúde.