A infância é uma etapa do ciclo da vida reconhecida por meio de consensos nacionais e internacionais em saúde e nutrição infantil como uma fase decisiva para o crescimento físico, o desenvolvimento cognitivo e a formação de hábitos alimentares que acompanham a vida adulta. É também o período em que desequilíbrios nutricionais se manifestam com mais impacto, muitas vezes, devido a uma oferta alimentar insuficientemente variada.
Mesmo quando há comida no prato, a qualidade do que se consome nem sempre é adequada. Em muitas famílias, o cardápio diário garante energia, mas carece de diversidade. A repetição de alimentos e a baixa presença de frutas, verduras e fontes de proteína de qualidade reduzem o aporte de vitaminas e minerais essenciais ao crescimento saudável.
É nesse cenário que surge o fenômeno conhecido como fome oculta, termo adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para descrever a deficiência de micronutrientes em populações com ingestão energética aparentemente suficiente. Trata-se de um tipo de carência silenciosa, mas que compromete funções vitais do organismo, da imunidade ao aprendizado.
Como exemplos clássicos desse comprometimento ao organismo, temos a carência de ferro associada a atrasos cognitivos e menor rendimento escolar; a deficiência de vitamina A comprometendo a visão e o sistema imunológico; e níveis baixos de vitamina D e B12 que afetam o metabolismo e o desenvolvimento neurológico. Esses desequilíbrios aparecem em diferentes contextos sociais e econômicos, refletindo tanto desigualdades de acesso quanto padrões alimentares pouco variados. O desafio, portanto, está na qualidade da alimentação e na orientação nutricional que chega às famílias.
O que diz o ENANI
O ENANI-2019 (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil), coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é o levantamento mais abrangente já realizado sobre o estado nutricional de crianças brasileiras de até cinco anos. Seus resultados orientam políticas públicas, práticas clínicas e o desenvolvimento de produtos pela indústria, ao oferecer um retrato detalhado das carências nutricionais e dos hábitos alimentares que marcam o início da vida.
Nesse sentido, o relatório mais recente do ENANI mostra que a dieta infantil no Brasil costuma garantir o aporte calórico necessário para o crescimento, mas nem sempre oferece variedade e densidade nutricional adequadas. Em outras palavras, as crianças recebem energia suficiente, mas o equilíbrio entre os grupos alimentares ainda é limitado. Essa diferença explica por que a fome oculta pode coexistir com a boa oferta de alimentos.
De acordo com a pesquisa, 10% das crianças apresentavam anemia e 14,2% tinham deficiência de vitamina B12, além de carências de vitaminas A (6%) e D (4,3%), distribuídas em todas as regiões do país. Esses dados desenham um padrão paradoxal: as refeições garantem calorias, mas a diversidade de nutrientes continua insuficiente.
Entre os fatores que ajudam a explicar esse quadro estão a oferta limitada de alimentos variados e a falta de informação acessível sobre combinações equilibradas. Em muitos casos, as famílias podem enfrentar dificuldades para identificar quais alimentos garantem o aporte adequado de ferro, vitaminas e proteínas, seja por restrições de tempo, custo ou orientação nutricional.
Essas limitações, somadas a rotinas cada vez mais aceleradas e à oferta de produtos prontos de fácil consumo, acabam resultando em refeições que fornecem energia, mas não suprem plenamente as demandas metabólicas e de crescimento das crianças.
Uma alimentação equilibrada depende de acesso, variedade e orientação nutricional, mas há situações em que o alimento, por si só, não é suficiente.
Nesses casos, a ciência e a indústria de alimentos desenvolvem soluções que complementam o que o prato sozinho não pode oferecer, sem substituir a importância dos alimentos tradicionais na formação de uma dieta equilibrada.
Nos últimos anos, pesquisas em nutrição e tecnologia de alimentos têm impulsionado o desenvolvimento de suplementos e produtos fortificados, formulados com base em evidências científicas e voltados a necessidades nutricionais específicas.
Entre os avanços, destacam-se os processos de microencapsulação, que protegem compostos sensíveis, preservam o sabor e mantêm a estabilidade e a biodisponibilidade dos nutrientes. A tecnologia tem sido aplicada principalmente em suplementos e produtos nutricionalmente balanceados, ampliando o acesso a micronutrientes, sobretudo em contextos de maior vulnerabilidade alimentar.
Essas novas abordagens atuam de forma complementar, contribuindo para reduzir o risco de deficiências e garantir uma oferta adequada de vitaminas e minerais. A regulamentação rigorosa e o investimento contínuo em pesquisa asseguram que essas soluções atendam a critérios de segurança, eficácia e qualidade sensorial, favorecendo o crescimento e o desenvolvimento saudáveis das novas gerações.
A infância saudável se constrói na soma entre escolhas alimentares equilibradas e avanços científicos que tornam a nutrição mais segura, acessível e completa, um caminho que une prática, pesquisa e responsabilidade social.