Perspectivas do governo para o ano de 2021
A pandemia do coronavírus deixou claro que estar bem informado sobre os rumos do governo é uma questão de sobrevivência. Antecipar as próximas jogadas no tabuleiro de xadrez da política é uma condição sine qua non para se manejar as crises que invariavelmente virão.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) se destacou como o ator político-regulatório que mais atenção recebeu ao longo da pandemia, e em 2021 contará com dinâmica nova. Vários fatores corroboram com isso, a começar pela oficialização de 3 novos diretores, dos quais uma é a nova 2ª Diretora Meiruze Freitas, responsável pela Gerência Geral de Alimentos (GGALI).
Meiruze foi adjunta do ex-diretor Fernando Mendes e assume a função com o objetivo de consolidar um modelo regulatório que favoreça a liberdade econômica e o acesso a produtos e serviços de qualidade, em consonância com a missão de proteger a saúde da população. Apesar desses objetivos gerais, na prática, sua gestão deve focar principalmente na coordenação dos trabalhos da Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), responsável pelos tratamentos para a COVID-19, inclusive as vacinas.
Assim, o papel da gerente-geral Thalita Lima (GGALI) passa a ser ainda mais relevante em 2021 no que tange à agenda técnica da área, especialmente para a indústria de alimentos, visto que Meiruze deverá estar com foco no controle e tratamento do COVID-19. Com isso, Thalita contará com a liberdade que todo gestor público almeja: liberdade para priorizar os projetos que entender mais relevantes.
Se na Anvisa o cenário de autonomia do setor técnico aparece como tendência em 2021, o Ministério da Saúde se apresenta como contraste. Além da crescente presença militar na pasta, que provocou morosidade e redução na abertura ao diálogo ao longo do último ano, há a expectativa de mudança política no cargo de ministro. Após a corrida eleitoral para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Planalto precisou articular politicamente para garantir seu espaço de influência no Legislativo Federal. A provável repercussão desta movimentação é a destinação do cargo do General Pazuello para o deputado federal Hiran Gonçalves (PP/RR).
Como de costume, as mudanças na pasta devem ser seguidas por trocas nos cargos de direção, com o objetivo de acomodar interesses de aliados políticos. Cenário que deve ser replicado também no Ministério da Cidadania, já que Onyx Lorenzoni (DEM/RS) deverá voltar aos salões do Palácio do Planalto, onde deverá ocupar uma desidratada Secretaria-Geral da Presidência da República. Isso ocorre principalmente pelo custo político de lidar com o fim do auxílio-emergencial e a crescente cobrança da parcela menos abastada da população por melhorias nos auxílios do governo federal.
Já no Ministério da Justiça é percebida a crescente pressão por regulação da publicidade infantil. Em resposta, a Senacon promete publicar portaria que regula a publicidade em plataformas digitais (Youtube, Facebook…), focando principalmente em regrar o comportamento dos influencers e canais dirigidos aos mais jovens.
O cenário mais dinâmico, em contraste ao ano de 2020, dependerá das atividades no retorno do Congresso Nacional, com destaque às comissões permanentes. Isso demonstra que parlamentares não aceitarão a pandemia como desculpa para estagnação de pauta. A volta das comissões pode acontecer até meados de março, o que reestabelecerá a dinâmica de negociação no parlamento, que não foram postas no tabuleiro do último ano. Novas peças importantes retornam, como a possibilidade de audiências públicas, deliberação de projetos de lei em fóruns temáticos, reuniões setoriais e diversas outras que podem ser e, usualmente, são utilizadas para pressionar as agendas dos demais poderes da República.
É certo que 2021 não será como 2020. Os espaços deixados no último ano logo voltarão a ser ocupados, impulsionados pelos interesses que disputarão a agenda de discussão com as necessidades impostas pela COVID-19.
Wagner Parente é o CEO da BMJ Consultores Associados, advogado, mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP, possui MBA em gestão de Negócios pela FIA-USP, além de ser professor de Relações Institucionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV).