Por meio de ações regulatórias conduzidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Brasil se tornou um dos primeiros países do mundo a adotar a rotulagem nutricional obrigatória em alimentos embalados.
O processo, que começou no ano 2000 – mas, na prática, só foi amplamente implementado em 2006 –, foi parte da estratégia de saúde pública para promoção da alimentação adequada e saudável e o combate ao excesso de peso.
Desde então, e até hoje, o modelo utilizado fornece aos consumidores informações sobre as características básicas da composição dos alimentos, a fim de auxiliá-los a fazer escolhas mais conscientes, e também para incentivar a indústria a reformular voluntariamente seus produtos.
Com o passar dos anos, no entanto, e apesar de a rotulagem ter recebido alguns ajustes, percebeu-se que muita gente tem dificuldade para visualizar, compreender e utilizar as informações da tabela nutricional, o que a torna ineficaz.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) apontou que 39,6% das pessoas disseram entendê-la parcialmente ou muito pouco e 0,4% afirmaram não entender nada.
As principais dificuldades apontadas foram: letra pequena (61%), uso de termos técnicos (51%) e a necessidade de se fazer cálculos (41,6%).
Baseada nessas e em outras evidências, a Anvisa, junto com outros órgãos do governo, associações, entidades do setor produtivo e da sociedade civil e representações dos profissionais de saúde, de conselhos, universidades, laboratórios e organismos internacionais, passaram a discutir a atualização da rotulagem.
“O objetivo principal é facilitar a compreensão das informações nutricionais pelos consumidores brasileiros, justamente para ajudá-los a consumir de forma mais saudável”, diz Thalita Lima, gerente geral de Alimentos da Agência.
Desde 2014, diversas atividades foram executadas no processo, como reuniões, painéis técnicos, Análise de Impacto Regulatório (AIR), Tomada Pública de Subsídios (TPS) e Diálogos Setoriais sobre o tema.
Agora, a etapa é a de consulta pública, aberta em setembro, para receber contribuições, saber a opinião dos consumidores e, com isso, decidir qual modelo de rotulagem nutricional será adotado.
No fim dessa fase – que vai até 6 de novembro –, serão iniciados a análise do material recebido e, se necessário, promovidos debates para fornecer mais subsídios para discussões técnicas e a deliberação final da Diretoria Colegiada do órgão.
As mudanças nomeadas pela Anvisa, explica Thalita Lima, englobam três pontos: tabela nutricional, rotulagem nutricional frontal – que é a grande novidade – e alegações nutricionais.
“No caso da tabela, propomos alterações nos critérios de legibilidade e a inserção de mais informações”, comenta a gerente geral de Alimentos da Agência.
Na lista de mudanças estão: uso de caracteres e linhas de cor 100% preta sobre fundo branco, inclusão dos elementos açúcares totais e açúcares adicionados e declaração das quantidades em 100 gramas, para sólidos ou semissólidos, e 100 mililitros, para líquidos.
Quanto à rotulagem nutricional frontal, pontua Thalita, essa é a principal inovação normativa sugerida e um complemento à tabela nutricional.
“Trata-se de uma estratégia mais recente, e que tem sido adotada por diversos países, como o Chile, para informar de forma mais rápida e clara o que se considera mais relevante na composição dos alimentos”, analisa.
Pela proposta da Anvisa, o aditivo será obrigatório nos produtos embalados cujas quantidades de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio, elementos que o órgão considera mais críticos para a saúde, sejam iguais ou superiores aos limites definidos.
E eles são os seguintes, em porções de 100 gramas ou 100 mililitros:
– Açúcar: 10g para sólidos e 5g para líquidos;
– Gordura saturada: 4g para sólidos e 2g para líquidos;
– Sódio: 400mg para sólidos e 200g para líquidos.
“Essa divulgação se dará por meio do símbolo de uma lupa, disposta sempre na metade superior do painel principal do rótulo, que é o que o consumidor enxerga primeiro na hora da compra. Terá fundo branco e desenhos e letras pretos. A informação passada será mais qualitativa e rápida e menos técnica”, acrescenta a especialista.
Para chegar a esse modelo, inspirado no utilizado no Canadá, Thalita relata que foram realizados diversos estudos, revisões das referências regulatórias em vários países e avaliações de artigos científicos.
“Coletamos elementos e evidências e concluímos que o modelo da lupa, na comparação com o semáforo nutricional, proposto pela indústria, e com o triângulo, indicado por outros grupos, tem melhor potencial informativo”, informa a gerente geral de Alimentos da Anvisa.
Segundo ela, a lupa também é mais assertiva e clara que o semáforo nutricional, o que facilita a compreensão pela população; menos alarmista que o triângulo, o que evita estigmatizar os alimentos e mantém a autonomia de decisão do consumidor; e tem um custo menor de implantação, o que evita um impacto econômico negativo tão grande para as empresas.
Vale salientar que, no caso de alimentos fabricados por agricultor familiar, empreendedor familiar rural, empreendimento econômico solidário e microempreendedor individual, a aplicação é voluntária.
Por fim, no que diz respeito a alegações nutricionais, a Anvisa propõe que alimentos com rotulagem frontal de açúcar adicionado, gordura saturada e sódio não tragam informações complementares relacionada à estes elementos.
Por exemplo: se o produto tiver a lupa para gordura saturada, não poderá constar em seu rótulo nada sobre gorduras totais, gorduras trans e colesterol, ainda que seus valores tenham sido reduzidos em algum momento.
A rotulagem frontal dos alimentos é o ponto da proposta da Anvisa que mais tem gerado debates e divergências, já que cada grupo interessado defende um modelo diferente.
Para a Aliança para a Alimentação Adequada e Saudável, coalizão composta por mais de 50 organizações da sociedade civil de interesse público, profissionais, associações e movimentos sociais, o mais adequado é o que traz um triângulo preto.
Desenvolvido por uma equipe de pesquisadores de Design Gráfico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ele foi inspirado no padrão adotado no Chile, o do octógono.
“O triângulo tem uma simbologia de advertência, sendo mais eficiente para auxiliar os consumidores a identificar produtos com alto conteúdo de nutrientes prejudiciais à saúde”, garante Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec e uma das porta-vozes da Aliança.
Ela comunica ainda que a lupa, apesar de destacar o conteúdo excessivo dos elementos nocivos, e que estão associados ao aumento acelerado de doenças crônicas não transmissíveis, repete a mesma imagem tendo um, dois ou três itens em demasia.
“Ela não cria a questão de gradação e é mais difícil de ser interpretada por crianças pequenas e adultos não alfabetizados. Além disso, ainda não vimos argumentos sólidos que justifiquem a sua escolha”, alega Bortoletto.
A Aliança também defende a inclusão de mais três nutrientes no rótulo frontal, como proposto pela Associação Pan-Americana da Saúde (Opas): gordura trans, gordura total e adoçante.
“A maior preocupação é em relação ao adoçante, pois deve ocorrer uma mudança por parte da indústria, de substituir o açúcar por ele. E trata-se de um componente que tem de ser consumido com moderação”, relata.
Outro ponto, segundo Ana Paula, é que esse nutriente, quando usado nos alimentos, é informado na lista de ingredientes com nomenclaturas que o consumidor não conhece.
“O que queremos é que todos saibam exatamente o que estão comprando para poderem fazer escolhas mais conscientes”, complementa.
Na visão da indústria de alimentos e bebidas, a melhor opção não é nem a lupa e nem o triângulo, mas sim o semáforo nutricional.
“Defendemos um modelo de rotulagem informativo, e não os de alerta, que substituem a informação pelo alarmismo e a educação pela tutela do consumidor”, indica João Dornellas, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), entidade que, junto com outras 20, formou a Rede Rotulagem, para debater o assunto.
Na proposta defendida pelo setor, as informações sobre açúcar, gordura saturada e sódio são reforçadas pelas legendas ALTO, MÉDIO OU BAIXO (em letras maiúsculas mesmo), e a utilização das cores vermelho, amarelo e verde, como no sinal de trânsito.
“É um modelo lúdico, fácil de ser identificado até pelas crianças, e que destaca de forma clara e objetiva as quantidades dos três nutrientes, indicados com base na porção usualmente consumida de cada alimento e na porcentagem relativa a uma dieta diária de 2 mil calorias”, notifica o executivo.
Fora isso, a indústria não concorda com o tipo de referência quantitativa que a Anvisa quer utilizar na nova rotulagem. Para ela, a informação só será efetiva se a declaração nutricional nos rótulos contemplar a referência às porções normalmente utilizadas, definidas por critérios técnicos, com o respectivo peso em gramas ou mililitros e sua correspondência em medidas caseiras.
“A restrição das informações às quantidades fixas de 100g ou 100ml, sem considerar as características de cada produto, confunde o consumidor e pode levar a escolhas alimentares inadequadas e prejudiciais à saúde”, salienta Dornellas.
Ela dá como exemplo a manteiga: “Ninguém passa 100g no pão. As pessoas consomem, em média, 10g. Então, acreditamos ser importante que a quantidade de nutrientes presentes nessa porção cotidiana seja indicada nos rótulos”, completa.
Dinamarca, Islândia, Lituânia, Noruega e Suécia: “Keyhole”, símbolo de fechadura que identifica opções mais saudáveis dentro de uma categoria;
Polônia, República Tcheca e Nigéria: “My Choices Logo” (Choices Program) e “Heart Check Logo”, símbolos com sinal de visto ou coração que identifica opções mais saudáveis dentro de uma categoria;
México: selo nutricional, símbolo de prato que identifica opções mais saudáveis dentro de uma categoria;
Singapura: “Healthier Choices Logo”, símbolo de pirâmide com alegação nutricional que identifica opções mais saudáveis dentro de uma categoria;
França e Bélgica: “Nutri-Score”, sistema de ranqueamento com letras e cores que identifica o nível de saudabilidade do alimento;
Austrália e Nova Zelândia: HSR, sistema de ranqueamento com estrelas que indica o nível de saudabilidade do alimento com ícones do teor absoluto e descritores qualitativos dos nutrientes;
Reino Unido e Coreia do Sul: semáforo nutricional, contendo ícones com o teor absoluto e a marcação “%VD”, que indica o baixo, o médio ou o baixo nível de nutrientes;
Chile e Uruguai: octógonos, com descritores qualitativos que indicam o alto teor de determinados constituintes;
Canadá: selos que utilizam barras, descritores qualitativos e cores para indicar o alto teor de certos nutrientes.
Essas informações constam no Relatório de Análise de Impacto Regulatório sobre Rotulagem Nutricional, divulgado pela Anvisa em setembro deste ano.