1. Para iniciar, em sua prática como pesquisadora de produtos, como você integra as áreas de UX, sensorial e neurociência? O que podemos esperar da evolução dessas áreas no futuro de países como o Brasil?
Na minha prática, integro as áreas de experiência de produto com métodos de neurociência para compreender a interação entre os consumidores e os produtos. Além de utilizarmos técnicas de pesquisa qualitativa e quantitativa para identificar as necessidades e preferências dos consumidores, também realizamos testes sensoriais para avaliar a percepção dos produtos.
No entanto, nem sempre as reações das pessoas podem ser totalmente expressas por meio de palavras. Parte do meu trabalho consiste em expandir nossas ferramentas de avaliação para incluir as reações corporais implícitas aos produtos. A neurociência nos permite entender que a percepção, a experiência e a tomada de decisão são influenciadas pela interação do nosso sistema nervoso com os estímulos do ambiente.
Portanto, o impacto das expectativas e experiências do produto pode ser medido não apenas com palavras, por meio de entrevistas e questionários, mas também investigando como o corpo das pessoas reage de maneira não verbal.
Cada vez mais, empresas estão reconhecendo o valor de medir as reações fisiológicas dos consumidores em relação aos seus produtos. Com o aumento da disponibilidade de tecnologias biométricas, espero que essas áreas continuem evoluindo, permitindo uma compreensão ainda mais profunda das preferências e necessidades dos consumidores. Acredito que isso possibilitará o desenvolvimento de produtos cada vez mais personalizados e inovadores, também no Brasil.
2. Você poderia nos explicar por que a inteligência artificial e a análise de dados precisam hoje ser utilizadas na formulação e avaliação de produtos alimentares?
A formulação e a avaliação de produtos alimentares podem se beneficiar muito com ferramentas de inteligência artificial (IA). Na verdade, sempre se utilizou análise de dados nesses processos, mas agora a IA tem sido incorporada em mais variados estágios do desenvolvimento de produtos.
Desde as fases iniciais de inovação e testes de ideias até a monitoração do desempenho de produtos concorrentes por meio de social media listening, contamos com o emprego de algum tipo de IA. Ela também é utilizada para testar protótipos de embalagens, estratégias de comunicação e extrair informações de dados coletados. São tecnologias que permitem uma análise mais precisa das preferências e necessidades dos consumidores, facilitando a criação de produtos que atendam às demandas do mercado de uma forma ainda mais eficiente.
Paralelamente, a IA e a análise de dados possibilitam a identificação de padrões e tendências de consumo, contribuindo para a antecipação de demandas futuras.
3. E como isso facilita a vida dos consumidores, especialmente em termos de saúde, necessidades dietéticas e nutrição?
Os standards de saúde, necessidade dietética e nutrição ainda dependem das políticas das empresas e órgãos regulatórios. No entanto, os consumidores estão cada vez mais exigentes e têm obtido maior transparência sobre os produtos que consomem.
Tanto para os fabricantes quanto para os consumidores, a aplicação de IA e análise de dados traz benefícios. Para os fabricantes, essas tecnologias permitem um desenvolvimento de produtos mais orientado e eficiente. Para os consumidores, a IA facilita a comparação e a escolha de produtos que melhor atendam às suas necessidades.
Nesse cenário, onde a demanda por IA abrange diversas áreas da produção e do consumo, aumenta o número de ferramentas disponíveis que ajudam os consumidores a avaliar e escolher produtos com base em suas restrições alimentares, preferências dietéticas e preocupações com a saúde.
Entre os benefícios práticos estão a personalização de recomendações nutricionais, o fornecimento de informações claras sobre ingredientes e valores nutricionais dos alimentos, apenas para citar alguns exemplos. Tudo isso resulta em maior transparência e empoderamento dos consumidores no processo de decisão sobre os alimentos que consomem.
4. De que forma pesquisas voltados ao multissensorial, por exemplo, podem contribuir para que os produtos alimentares ofereçam a melhor experiência possível aos consumidores, considerando sabor, eficácia e conveniência?
Os pesquisadores de experiência de produto têm como principal objetivo alinhar expectativas com experiências, otimizando diferentes fases do desenvolvimento do produto com base em dados dos consumidores.
Na fase exploratória da pesquisa de produto, há, geralmente, três alvos de ação: 1) identificar oportunidades para o desenvolvimento de novos produtos; 2) compreender as dificuldades que os consumidores enfrentam com os produtos já existentes; e 3) definir as características desejáveis em um produto que possa solucionar esses problemas.
Durante a fase subsequente, de desenvolvimento ou modificação da receita de um produto, é importante considerar como ele é percebido em termos de características sensoriais, como textura, acidez, doçura, entre outros.
Perguntas como “os consumidores percebem alguma diferença?” e “acreditam que o produto lhes traz benefícios extras?” são pertinentes, pois é a combinação dessas percepções que nos habilitam ajustar e desenvolver produtos que se destaquem no mercado. Isso envolve aprimorar a formulação e a apresentação para garantir que atendam às expectativas e proporcionem uma experiência sensorial satisfatória aos consumidores.
5. Esses fatores influenciam a tomada de decisão do consumidor? Se sim, como a eficácia de projetos UX é avaliada nesses contextos?
Sim, os fatores mencionados influenciam a tomada de decisão do consumidor. É possível medir o impacto de diferentes características do produto na preferência ou intenção de compra dos consumidores por meio de pesquisas de mercado, testes de aceitação e feedback dos consumidores. Além disso, o desempenho do produto no mercado pode ser avaliado posteriormente para entender melhor sua aceitação e sucesso.
A análise de dados e a inteligência artificial contribuem significativamente para esse processo, ajudando a monitorar o engajamento, a satisfação e a fidelidade à marca. A partir dessas informações, obtemos insights sobre a percepção dos consumidores em relação ao produto.
6. Além dos aspectos sensoriais, o design das embalagens e a visualização dos rótulos também são fatores levados em conta no desenvolvimento de projetos voltados ao aprimoramento da experiência dos consumidores?
Sim, a embalagem e as pistas visuais são o primeiro contato do consumidor com o produto, e é por meio desses elementos que ele decide experimentá-lo pela primeira vez.
Durante a experiência de produto, como falamos, é possível testar o alinhamento entre as expectativas geradas pelas características visuais, auditivas, de odor e textura da embalagem, com a experiência durante e após o consumo do produto. Além dos aspectos sensoriais, as embalagens também desempenham um papel importante na percepção dos consumidores sobre a qualidade, autenticidade e sustentabilidade do produto.
Assim, embalagens atraentes e informativas podem influenciar positivamente a percepção do consumidor, despertando seu interesse e confiança. Da mesma forma, rótulos claros e informativos facilitam a compreensão dos ingredientes, valores nutricionais e outras informações relevantes para os consumidores. Nesse contexto, embalagens que alinham expectativas com experiencias, e que não desapontem os consumidores, são especialmente desejáveis pelos fabricantes.