1. Dr. Mauro, para começar, poderia nos explicar mais sobre a importância de manter uma nutrição adequada desde a infância?
A nutrição é um dos fatores mais importantes para o crescimento, desenvolvimento e imunidade das crianças. Ela precisa ser estabelecida desde o período de planejamento, no pré-natal, e seguir ao longo da vida. Ou seja, desde o momento em que se planeja a gestação, passando pelo pré-gestacional, pela gravidez e, claro, durante toda a infância, adolescência e vida adulta. Quanto mais cedo houver intervenção, maior a facilidade de correção de rumos, e assim você consegue um caminho mais adequado para uma vida saudável no futuro.
Nós costumamos chamar isso de tracking, que é o caminho metabólico adequado para o desenvolvimento de uma vida saudável. A nutrição é importante porque fornece todos os elementos para essas três condições básicas que consideramos essenciais para a criança: o crescimento, o desenvolvimento e os fatores de defesa do organismo. Além disso, estamos começando a colocar um quarto fator, que chamamos de socialização – a capacidade de se relacionar com outros seres humanos. Isso também é um aspecto importante da nutrição ao longo da vida.
2. Nesse caso, considerando todos esses fatores, quais sinais clínicos sutis ou comportamentais podem indicar que uma criança demanda atenção com relação a sua alimentação?
Pelas condições que o alimento proporciona para a criança, eu avalio as consequências. O primeiro sinal, geralmente, é o desprazer com a alimentação, o que indica que algo não está certo. Mas o fator mais claro para nós é o peso. A diminuição do peso, ou a redução da velocidade de ganho de peso, e, posteriormente, a desaceleração do crescimento em estatura, são sinais de que a ingestão de energia e nutrientes não está adequada.
Também, temos os sinais clínicos, que podem ser mais sutis, especialmente quando a deficiência nutricional ainda não está tão evidente. Eu observo, por exemplo, sinais na pele, nos olhos, na boca, ou nas mucosas. Esses sinais clínicos costumam ser tardios, por isso precisamos de outros indicadores, mais indiretos, de que há algo errado.
Uma forma de identificar isso é avaliando a ingestão alimentar da criança ou da mãe, por meio de métodos que se baseiam na memória alimentar. A mãe pode me relatar o que a criança consumiu em um dia, dois dias, ou até em uma semana. A partir disso, consigo prever se há deficiência de algum nutriente. Esse é um fator de risco, que não necessariamente significa uma carência clínica, mas que já nos aponta uma possibilidade de deficiência.
Para confirmar, seria necessário complementar com uma avaliação bioquímica, que nos diria se realmente há uma carência. Assim, conseguimos fazer uma análise que vai desde a ingestão alimentar até o quadro clínico, para determinar se há necessidade de suplementação.
3. Há diferença entre os suplementos que são consumidos por indivíduos adultos e crianças? Explique-nos.
Sobre isso, gostaria de explicar que a primeira coisa que avaliamos são as deficiências nutricionais, pois elas determinam quais nutrientes serão necessários. Cada fase da vida, especialmente na infância, tem necessidades específicas, que são definidas por padrões internacionais — sejam eles americanos, canadenses, ou da OMS. Esses padrões nos ajudam a identificar quanto de cada nutriente é necessário para acompanhar o desenvolvimento adequado. Se houver uma deficiência, será preciso tratar de forma específica, e essas necessidades variam conforme a faixa etária.
Durante a fase de crescimento e desenvolvimento, as demandas nutricionais de crianças são bem diferentes das de adultos, já que o corpo está em constante transformação. No caso dos adultos, as doses dos suplementos tendem a ser mais estáveis ao longo da vida, exceto em condições especiais, como gravidez ou em idosos, quando as necessidades podem mudar. Portanto, as doses e a suplementação variam conforme a idade e o estágio da vida: infância, adolescência, vida adulta e envelhecimento.
4. Seria possível afirmar que os novos conhecimentos científicos estão alterando a forma como os profissionais de saúde recomendam suplementação para crianças, influenciando novas práticas na nutrição infantil?
Existem vários aspectos importantes que precisamos considerar. Algumas suplementações são mandatórias e já definidas por guias que são estabelecidas por instituições renomadas, como a OMS, a Sociedade Pan-Americana de Saúde, a Sociedade Brasileira de Pediatria, entre outras. Cada uma dessas entidades cria suas diretrizes para a suplementação. Por exemplo, a suplementação de vitamina D em determinado período do crescimento infantil é mandatória, ou seja, não é uma questão de escolha, isso já é definido por recomendações.
Ainda, temos suplementações específicas, como a de vitamina A em certos momentos da vida, ou suplementos como ácido fólico e complexos vitamínicos B para gestantes, ou em pessoas com deficiências nutricionais devido a condições específicas, como o vegetarianismo ou o veganismo. Algumas recomendações são baseadas na deficiência nutricional individual ou em dados epidemiológicos. Se, por exemplo, os estudos indicam que a ingestão de vitamina C na população é baixa, pode-se recomendar a suplementação em maior escala, mesmo que algumas pessoas precisem mais ou menos, com base nesses dados populacionais.
Algumas pessoas dizem que se todos seguissem uma alimentação saudável e balanceada, não haveria necessidade de suplementar. Porém, a alimentação ideal muitas vezes não é atingida na prática. A qualidade, frequência e quantidade dos alimentos podem não ser suficientes, o que acaba exigindo a suplementação para atingir as necessidades adequadas. Dessa forma, o acompanhamento clínico, individual ou populacional, continua sendo essencial para determinar quando e como suplementar de forma eficaz.
5. Para finalizar, considerando as mudanças no estilo de vida das crianças, como o aumento do tempo em ambientes fechados e a menor exposição ao ar livre, como essas transformações têm impactado a prevalência de deficiências nutricionais? Em sua opinião profissional, essas alterações tornam a necessidade de suplementação mais recorrente?
Com certeza. Nós temos algumas mudanças que são estruturais. As nossas crianças não podem mais ir para a rua por vários motivos: violência, a condição de trabalho dos pais, falta de locais adequados. Então, elas acabam passando mais tempo em lugares fechados. A consequência disso é uma menor exposição ao sol e, com isso, menos contato da pele com a vitamina D — que é um fator importante.
Ao lado disso, há uma menor ingestão de frutas, legumes e verduras, o que tem sido frequente tanto entre crianças quanto adultos. A ingestão de cálcio também tem diminuído, principalmente por causa de informações equivocadas, fake news e guias inadequados que acabam levando as pessoas a cortarem glúten ou laticínios sem necessidade. Quando isso acontece de forma inadequada, a gente reduz a ingestão de vitaminas, minerais, cálcio, magnésio, entre outros elementos essenciais na alimentação, aumentando o risco de deficiências.
Essas mudanças todas, obviamente, levam a uma maior necessidade de suplementação adequada, para compensar essas carências e garantir um desenvolvimento saudável.